Exército retém exames clínicos sobre mortes nos Comandos

Desde Setembro, estão sem resposta três pedidos de processos clínicos, o último dos quais solicitado pelo DIAP com a “máxima urgência”.

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Contingente de Comandos na partida em Janeiro para uma missão na República Centro-Africana Miguel Manso

Os processos clínicos dos instruendos do curso 127 de Comandos ainda não foram entregues ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) que conduz o inquérito-crime às mortes do 2.º furriel Hugo Abreu e do soldado Dylan da Silva, depois de iniciada a Prova Zero, a 4 de Setembro de 2016.

Esses exames foram solicitados três vezes, como consta no processo judicial consultado pelo PÚBLICO: a 30 de Setembro, por parte da Polícia Judiciária Militar (PJM) num pedido dirigido ao chefe de gabinete do chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), general Rovisco Duarte; a 29 de Novembro, ao Director do Centro de Saúde Militar de Coimbra, por parte da procuradora titular do inquérito-crime Cândida Vilar, que de novo insistiu, a 25 de Janeiro deste ano, no envio, “com a máxima urgência,” e “para cumprimento dos trâmites processuais”, desses e de outros documentos. Na investigação entregue à PJM, cinco oficiais e dois sargentos já foram indiciados pelo Ministério Público por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.

Entre os documentos em falta continuam também os guiões da Prova Zero de todos os cursos de comandos anteriores e posteriores à interrupção da formação, entre 1993 e 2002. O guião da prova contém as principais linhas que definem este tipo de instrução militar e é considerado essencial para a investigação ficar completa. Por entregar estão também todos os inquéritos (processos de averiguações) do próprio Exército e respectivos processos disciplinares instaurados, antes de 1993 e depois de 2002, incluindo os do curso 127.

Estes últimos (do curso 127) foram pedidos a 27 de Dezembro, quando já estavam concluídos os processos de averiguações a este curso e que resultaram na instauração de processos disciplinares a dois oficiais e um sargento. Nessa altura, o Ministério Público solicitou “cópias autenticadas” desses processos de averiguações e “respectivos processos disciplinares (no estado em que se encontram)”, ou seja, mesmo que tenham sido objecto de recurso.

A importância do guião

“Temos que perceber a partir de quando houve racionamento de água. Se isso está nos guiões ou se a decisão é tomada” no terreno sem qualquer indicação do que consta do guião, diz fonte ligada ao processo. “São regras de como deve ocorrer o curso. Quem tomou essa decisão tem grande responsabilidade. Tem que haver uma lógica subjacente e precisamos dos Guiões de Prova desde que o curso recomeçou em 2002 para vermos o que se passou ao longo dos tempos”, justifica.

A questão será perceber se o racionamento de água voltou aos níveis que estavam previstos nos guiões até 1993 — ano em que o curso foi interrompido depois de nove mortes registadas desde o início do curso, em 1988. Essas mortes aconteceram tanto na Prova de Sede ou Prova de Choque (hoje Prova Zero), como noutras fases do curso.

“Desta vez, estão a demorar muito tempo, mais do que era previsto”, diz a mesma fonte, que considera que o Exército “não estará a reter” a informação necessária, mas “a atrasar” a sua disponibilização, porque normalmente “costuma responder”.

Além do mais, sublinha esta fonte, os documentos pedidos são “extremamente simples” de obter. “A existirem de facto Guiões de Prova, basta fotocopiá-los e enviá-los. O mesmo acontece com os resultados dos exames clínicos” pedidos: tanto os feitos para a admissão dos instruendos no curso 127 como aqueles que foram realizados na "reavaliação após os acontecimentos de 4 de Setembro”, lê-se no pedido dirigido ao chefe do gabinete do CEME, que consta do processo. Destes, apenas foram entregues à investigação os de admissão realizados ao 2.º furriel Hugo Abreu, o primeiro instruendo a morrer, menos de 24 horas depois de iniciada a prova.

Contactado pelo PÚBLICO, o chefe de Relações Públicas do Exército, tenente-coronel Vicente Pereira, diz que “não obstante a total colaboração do Exército com o DIAP, alguma da informação solicitada não foi ainda entregue por se reportar a períodos temporais que implicam demora na consulta de arquivos ou a processos que ainda estão a decorrer”. Mais especificamente, Vicente Pereira refere “detalhes que estão dentro de processos que ainda não foram encerrados”.

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