Há quatro grupos interessados no malparado dos bancos portugueses

O consórcio liderado por António Esteves integra um banco de investimento e o fundo norte-americano TPG e já entregou uma proposta. Há ainda manifestações de interesse do Blakrock, Stormharbour e de ex-quadros bancários portugueses.

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Apenas cerca de metade dos 30 mil milhões de NPL identificados está provisionada REUTERS/Dado Ruvic

Pelo menos quatro entidades privadas já notificarm o Governo e o Banco de Portugal de que pretendem resolver o problema do designado "non performance loans" (NPL), o crédito malparado que está a infectar as contas dos bancos portugueses. Em causa estão cerca de 30 mil milhões de activos problemáticos, cerca de metade ainda por provisionar, o que coloca pressão adicional sobre o capital das instituições financeiras, em particular, do Novo Banco.

Para além da proposta concreta (mas não formal) realizada por António Esteves, o ex-Goldman Sachs que representa um consórcio que integra um banco de investimento e o fundo de private equity norte-americano TPG, e que diz ter disponível 15.000 milhões de euros, as autoridades foram, nos últimos meses, informadas da existência de outros interessados em avaliar a compra das carteiras de crédito malparado (activos que não geram rentabilidade) dos bancos portugueses.

Entre os que manifestaram vontade de olhar para o dossier, constam mais dois fundos anglo-saxónicos, um dos quais o BlackRock. E também ex-quadros portugueses, como sejam os casos de Gonçalo Pires, que saiu do Santander para preparar uma oferta e que está associado a Luís Adão da Fonseca.

E ainda o fundo Stormharbour, a sociedade de investimento fundada por três banqueiros, entre os quais se inclui o português António Cacorino, e que terá indicado que pretende estudar uma solução. O Stormharbour, contratado pela EDP para promover operações de titularização de créditos, está actualmente a assessorar a Apollo na aquisição do Novo Banco, um dos imbróglios que as autoridades têm em mãos. 

As movimentações decorreram nos últimos meses junto da equipa de trabalho que António Costa, em articulação com o Banco de Portugal, encarregou de conceber o caderno de encargos e de negociar com os privados. Essa equipa é chefiada pelo economista Vítor Escária, ex-assessor económico de Sócrates e hoje ligado ao Governo, e nela estão representantes das Finanças e do BdP. Conta ainda com a ajuda de consultores externos: Diogo Lacerda Machado, Pedro Siza e Esmeralda Dourado.

A 12 de Abril de 2016, o Expresso divulgava uma declaração de António Costa: “Acho que era útil para o país encontrar um veículo de resolução do crédito malparado, de forma a libertar o sistema financeiro de um ónus que dificulta uma participação mais activa nas necessidades de financiamento das empresas portuguesas.” E na semana anterior o governador já tinha referido que há vários anos defende “a criação de um veículo de titularização de crédito vencido e de activos não geradores de receita”. 

Os obstáculos para fechar o dossier, que se arrasta há vários meses, são de natureza diversa, nomeadamente, regulatória e de impacto público. E tornaram-se num jogo de empurra entre o Governo e o BdP. Esse impasse levanta incertezas sobre a viabilidade de uma solução global que retire da esfera dos bancos, sujeitos a restrições do BCE, os activos problemáticos. Essa solução  deve possibilitar a transferência do malparado para um veículo (privado) livre de constrangimentos. E sem que, pelo meio, a transacção contemple auxílios estatais, proibidos por Bruxelas.

Os números referidos na comunicação social apontam para a existência no sistema financeiro português de 30 mil milhões de NPL, nos quais estão financiamentos a particulares, mas também a empresas com dificuldades em pagar e a outras insolventes. Apenas cerca de metade deste valor está provisionado nas contas e os restantes 15 mil milhões estão contabilizados acima do seu valor de mercado – o que se traduz num risco acrescido para os bancos mais expostos, dado que o diferencial, o “buraco”, tem de ser tapado com capital. Isso aumenta a percepção negativa dos mercados relativamente ao sector.

Qualquer proposta que venha a ser entregue às autoridades terá de prever um mecanismo que compense a discrepância (buraco) entre o valor a que o crédito malparado está registado nas contas dos bancos e o preço de mercado. Isto, porque os NPL estão, na sua maioria, avaliados a valores superiores ao que será possível arrecadar com a alienação.

As diferenças entre as potenciais ofertas não estão apenas na abrangência do que se pretende comprar, mas nos esquemas de financiamento. Desconhecem-se ainda os detalhes das soluções privadas que se perfilam, mas António Esteves já avançou com uma proposta concreta para assumir o crédito malparado ao valor de balanço e preencher o diferencial (face ao preço real) indo levantar fundos emitindo dívida garantida pelo Estado. Enquanto Gonçalo Pires e Adão da Fonseca desejam comprar ao valor certo e completar as necessidades de fundos com recurso a uma associação com companhias de seguros.

As autoridades enfrentam outros problemas. E um dos relevantes é que uma solução global para limpar o malparado do sistema financeiro dificilmente prescinde de uma garantia estatal. Resta saber se o Governo, ao dar a uma entidade privada um aval público para esta comprar activos sem ser ao preço de mercado, não está a incorrer em práticas anticoncorrenciais.

A outra questão está ligada aos próprios bancos: a troco de ficarem com os balanços limpos, serão forçados a suportar custos elevados, pois os veículos que adquirem os NPL actuam como “comissionistas”. Daí que o BCP, um dos que estão contaminados com os activos problemáticos, já tenha garantido que não está interessado em entrar numa transacção desta natureza. E tudo se pode resumir afinal a limpar o Novo Banco dos quase cinco mil milhões de crédito malparado que continuam por provisionar.  

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