Centeno critica "enganos" do Eurogrupo mas avisos a Portugal mantêm-se

Dados da execução orçamental apontam para cumprimento das metas do défice em 2016 e ministro das Finanças lembrou comentários negativos sobre Portugal de "algumas vozes do Eurogrupo"

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Mário Centeno com o presidente do Eurogrupo esta quinta-feira em Bruxelas LUSA/OLIVIER HOSLET

Depois de um ano em que às dúvidas dos seus colegas do Eurogrupo apenas conseguia responder com novos compromissos e promessas, Mário Centeno entrou na reunião desta quinta-feira em Bruxelas com um défice de 2,3% em 2016 para mostrar e preparado para lançar críticas ferozes aos seus colegas que mais cépticos se têm revelado. O ministro das Finanças português disse que "algumas vozes no Eurogrupo andaram muito enganadas" e pediu mais contenção e cuidado nas declarações públicas que venham a ser feitas no futuro. No entanto, logo a seguir ao final da reunião, poucas ou nenhumas mudanças foram detectadas nos discursos dos responsáveis do Eurogrupo sobre Portugal.

A reunião do Eurogrupo desta quinta-feira coincidiu exactamente com a divulgação em Portugal dos dados da execução orçamental de Dezembro que fecham as contas do país em 2016. Embora ainda não haja dados finais para o défice que é reportado a Bruxelas, os números agora divulgados confirmam, de acordo com as Finanças, que não se irá registar um valor acima de 2,3%, cumprindo-se assim, não só a meta de 2,4% do Governo como principalmente os 2,5% que eram exigidos por Bruxelas.

Munido com estes dados, Mário Centeno optou por jogar ao ataque, e não à defesa, na reunião do Eurogrupo. Pelo menos foi assim que, na conferência de imprensa a seguir à ao encontro, o próprio descreveu o que lá se passou.

Aos jornalistas, Centeno começou por dizer que os números da execução orçamental são “a confirmação de que algumas vozes no Eurogrupo andaram durante o ano de 2016 muito enganadas", salientando que  “mais (grave) do que andar enganados neste mundo em que a comunicação é um fator-chave, é o impacto que esses enganos têm noutras pessoas e noutras instituições". "Eu acho que fiz ver muito claramente nesta reunião que é muito importante que a comunicação melhore, que a utilização da informação melhore, que a análise que é feita sobre as políticas e aquilo que são as decisões dos países seja feita de forma um pouco menos apaixonada, mais racional no sentido daquilo que se quer, do seu conteúdo formal".

Mário Centeno não disse a que colegas do Eurogrupo se referia nas suas críticas, mas, durante o ano de 2016, foi conhecido o efeito mediático de declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, dando conta da sua apreensão em relação ao rumo da política económica em Portugal.

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Terá esta intervenção reflexos na forma como os responsáveis europeus se referem à situação portuguesa? Os sinais de que isso possa vir a acontecer são para já bastante escassos. É verdade que, na principal conferência de imprensa de apresentação dos resultados da reunião dos ministros das Finanças da zona euro, o presidente do Eurogrupo, o comissário europeu para os Assuntos Económicos e o presidente do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE) elogiaram a aceleração registada na economia e o cumprimento do objectivo do défice, mas a linha central dos seus discursos manteve-se inalterada em relação ao que tem sido hábito. Portugal ainda enfrenta “riscos importantes”, precisa de “continuar a realizar reformas" e tem de ser “prudente” nos seus orçamentos, disseram reiteradamente.

E, mais do em ocasiões anteriores, mostraram preocupação com a forma como os mercados estão a olhar para Portugal. O presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, referiu a “volatilidade” que existe no mercado em relação a Portugal, onde as taxas de juro da dívida a 10 anos superaram os 4%, dizendo que “isso mostra a necessidade de Portugal avançar com a sua agenda de reformas e avançar com novas medidas para fortalecer os bancos”. O holandês assinalou contudo que, em relação aos bancos, “o Governo está a tomar as acções certas”.

Klaus Regling, o presidente do MEE salientou que “os mercados estão nervosos com Portugal sobre várias coisas”. E destacou três factores para esse nervosismo: o elevado nível da dívida, a situação do sector financeiro e a competitividade da economia. “Estou confiante, e o ministro falou disso, que se esses assuntos forem enfrentados, os mercados vão reagir bem”.

O comissário Pierre Moscovici, que revelou que irá ter um encontro bilateral com Centeno esta quinta-feira, apelou a que Portugal “mantenha uma política orçamental prudente”, “aja para reduzir a dívida das empresas” e “continue com as reformas para aumentar a competitividade”. Os três responsáveis disseram que, na reunião, Mário Centeno estava “ciente dos desafios”. “Tranquilizou-nos em relação ao que são as intenções do Governo”, disse Moscovici.

Défice atingido

Mas para já, do lado do Governo o principal trunfo está nos resultados que foram obtidos no ano passado. Os dados da execução orçamental de Dezembro divulgados esta quinta-feira mostraram que, numa óptica de caixa, o défice se cifrou em 4256 milhões de euros, um valor inferior em 497 milhões ao registado no ano anterior.

Este défice não é o mesmo que é apresentado a Bruxelas, uma vez que foi calculado numa óptica de caixa (contabilidade pública) e não utilizando a metodologia empregue no cálculo do défice público que é reportado a Bruxelas (contabilidade nacional). Ainda assim, as Finanças afirmam que "o excelente resultado da execução em contabilidade pública permite antecipar que o défice não será superior a 2,3% do PIB", confirmando aquilo que tinha sido afirmado pelo primeiro-ministro na semana passada.

Os dados de Dezembro confirmam ainda a ideia de que o Governo conseguiu responder a um resultado pior do que o previsto ao nível da receita, com uma contenção significativa da despesa pública, que cresceu 1,9%, menos do que os 5,8%, previstos no OE. Uma execução mais baixa ao nível do investimento e da aquisição de bens e serviços foi decisiva.

Além disso, em Dezembro, registou-se uma recuperação muito acentuada da receita fiscal, que terminou o ano com um crescimento de 2,4%, quando até Novembro não crescia mais do que 0,4%. Os 512,7 milhões de euros (cerca de 0,3% do PIB) arrecadados no âmbito do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), dos quais 473,7 milhões em Dezembro, foram decisivos para este resultado.

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