Partida de Moçambique, chegada a Ramalde: o itinerário do Teatro Municipal do Porto até ao fim do ano

Próximos quatro meses reiteram os eixos principais da programação: dança internacional, teatro da cidade. Mas, do cinema queer às marionetas, esta será também uma temporada de festivais.

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Ah Ha, de Lisbeth Gruwez LUC DEPREITERE
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Manger, de Boris Charmatz URSULA KAUFMANN
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Gold
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, pelo Teatro Praga ALÍPIO PADILHA
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Uníssono, de Victor Hugo Pontes JOSÉ CALDEIRA
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Kitsune, do Teatro de Marionetas do Porto SUSANA NEVES

As obras com que o Rivoli entra nos últimos meses de 2016 não são só de fachada – também há intervenções no sistema de ar condicionado – mas dentro deste que é o principal, e certamente o mais icónico, dos dois núcleos do Teatro Municipal do Porto (TMP) não há grandes ajustamentos a fazer, pelo menos até ao final do ano. A temporada apresentada esta tarde em conferência de imprensa mantém os eixos fundamentais da programação que Tiago Guedes ali tem posto em prática desde a sua chegada à cidade, como sublinhou o presidente da Câmara, Rui Moreira, também titular do pelouro da Cultura: “Os próximos quatro meses reflectirão a mesma dimensão internacional que queremos para o projecto e o mesmo sentido de vínculo com os artistas e as companhias da cidade”, disse, acrescentando que o TMP continuará a investir na criação, envolvendo-se de raiz enquanto co-produtor na gestação de novos espectáculos (serão 16 as novas co-produções da temporada, 12 das quais com estruturas locais), e a associar-se a propostas de agentes externos, que, do Porto Queer ao Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP), do Festival Porta-Jazz ao Porto/Post/Doc, dão especial corpulência à agenda Setembro-Dezembro.

Com 73 mil espectadores já contabilizados desde o início do ano, o TMP mostrará até ao fim de 2016 mais 50 espectáculos, abrindo a temporada, já no dia 16, com a estreia absoluta de Moçambique, um exercício teatral entre o documentário e a ficção que põe três dos membros da Mala Voadora a inventar uma biografia pessoal alternativa – e também uma narrativa nacional alternativa para o país que Portugal descolonizou em 1975. Logo no fim-de-semana seguinte, a 24, o Rivoli recebe o primeiro de três coreógrafos internacionais deste último quadrimestre: o israelita Emanuel Gat, que ali apresentará, em estreia nacional, Gold, a peça que construiu a partir das Variações Goldberg de Bach tal como Glenn Gould as gravou antes de morrer e de The Quiet in The Land, o documentário radiofónico com que o mesmo Gould retratou em 1977 uma comunidade menonita do Canadá. Seguem-se, até Dezembro, espectáculos da belga Lisbeth Gruwez, intérprete-fétiche de Jan Fabre cuja obra coreográfica ainda não foi apresentada em Portugal (trará ao Porto, a 25 de Novembro, Ah Ha, em que põe em cena corpos transfigurados pelo descontrolo e pela violência do riso), e do francês Boris Charmatz, que adaptará Manger ao terceiro andar do Palácio dos Correios, um espaço em betão em que reverberarão “as entranhas” (citamos Tiago Guedes) dos 12 intérpretes desta peça deambulatória.

Tal como nas temporadas anteriores, a dança portuguesa também ocupa bastantes páginas da agenda do TMP, desta vez com novas criações de Victor Hugo Pontes, Uníssono (7 e 8 de Outubro), forçando a tensão entre o individual e o colectivo numa peça de grupo, Joana Providência, Inquietações (28 e 29 de Outubro), meditação sobre a vida no limiar da pobreza, e Marco Ferreira da Silva, Íris (17 de Dezembro), num blind date com o realizador Jorge Jácome – também Vera Mantero virá ao Rivoli apresentar a sua última peça, O Limpo e o Sujo, outra co-produção TMP. No teatro, mais co-produções e mais portugueses: ZULULUZU, a visita dos Praga aos anos sul-africanos de Fernando Pessoa, chega ao Rivoli a 30 de Setembro, depois da estreia nacional no São Luiz; Os Pescadores de João Sousa Cardoso, resultado de uma residência em Vila do Conde no âmbito do Circular – Festival de Artes Performativas e de uma imersão livre na obra homónima de Raul Brandão, estreia-se a 17 de Novembro, logo seguidos, apenas um dia depois, por What a Rogue Am I?, do Teatro Experimental do Porto; e o reencontro d’As Boas Raparigas com o encenador Rogério de Carvalho e o dramaturgo Howard Barker, Und, desce ao Pequeno Auditório a 15 de Dezembro.

Mas este será também – e muito – um quadrimestre de festivais. Da terceira edição do Fórum do Futuro, a grande operação inventada por Paulo Cunha e Silva para cruzar anualmente as várias áreas do pensamento e das artes, haverá notícias no início de Outubro. Por essa altura (5 a 9 de Outubro), o TMP estará a receber, pelo segundo ano consecutivo, o Queer Porto 2, depois do “grande sucesso de público” da experiência de 2015: mais do que uma extensão do festival de Lisboa, será de novo um projecto feito à medida da cidade, razão pela qual vários artistas portuenses foram desafiados a criar uma obra para cada um dos filmes a exibir no ciclo New Queer Cinema. Segue-se, de 14 a 22 de Outubro, o FIMP, que de novo fará o seu quartel-general no Rivoli, onde apresentará O Segredo de Simónides, a partir dos coleccionadores que Raquel André, vencedora da Bolsa Isabel Alves Costa, foi encontrar no Alto Minho, assim como Kitsune, do Teatro de Marionetas do Porto, e o aguardado espectáculo de encerramento, A Convenção dos Ventríloquos, de Gisèle Vienne, reconstituição de uma convenção real que todos os anos se realiza no Kentucky; À Procura de Lem, do Teatro de Ferro, terá estreia no pólo do Campo Alegre. Mais festivais no TMP: quinta edição do Family Film Project, com João Canijo como realizador convidado (9 de Novembro), e as terceiras do Porto/Post/Doc (26 de Novembro a 4 de Dezembro) e do Festival Porta-Jazz (7 e 8 de Dezembro).

Na música, prossegue o ciclo Porto Best Of, com mais duas bandas a fazerem a festa no Grande Auditório do Rivoli com os seus convidados – os inconfundíveis Tarantula dos irmãos Barros (19 de Outubro) e os Expensive Soul (19 de Dezembro) –, e também continuam as sessões Understage com curadoria das editoras Lovers & Lollypops (Pop.1280, Aïsha Devi) e Matéria Prima (Pita, Cândido Lima). Mesmo a fechar o mês (18 de Dezembro), uma cidade às vezes paralela, a dos bairros sociais, volta a fazer do palco mais central do Porto o seu território natural: há novo concerto, um ano depois, do OUPA!, o projecto de intervenção social e artística que em 2015 levou Capicua e André Tentúgal a incubar rappers no Bairro do Cerco e nesta segunda investida replicou a experiência em Ramalde. Não é difícil resumir a temporada, nem a cidade que continua a inventar-se no TMP: vai de Moçambique a Ramalde, sem nunca sair do Porto. 

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