EUA e Rússia ameaçam criar uma lista negra de rebeldes na Síria

Poucos acreditam numa transição política para a Síria antes de Agosto. Diplomatas europeus e árabes dizem-se relegados para segundo plano.

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Grupos que violem a cessação de hostilidades podem juntar-se ao Estado Islâmico e Al-Qaeda na lista negra internacional. AFP/ ABDULMONAM EASSA

Os dezassete países no Grupo Internacional de Apoio à Síria anunciaram esta terça-feira novas medidas para ressuscitar a trégua entre rebeldes e regime e enviar ajuda humanitária a zonas cercadas por forças leais ao Presidente Bashar al-Assad. O grupo que monitoriza as negociações de paz quer convencer a oposição a regressar a Genebra até ao final do mês e conversar com o Governo sobre uma transição política na Síria, algo que não acontece desde Abril, quando os rebeldes abandonaram as discussões acusando o regime de ter iniciado uma campanha sangrenta em Alepo.

Este continua a ser o ponto mais violento no país e o maior obstáculo ao recomeço das negociações. Só nas últimas semanas morreram centenas de pessoas em combates e bombardeamentos, que atingiram também hospitais e um campo de refugiados junto à fronteira com a Turquia. Estados Unidos e Rússia tentaram renegociar uma nova trégua para a maior cidade no país, mas sem grande sucesso: o Presidente sírio diz que só vai parar depois da “vitória final” e os poderosos grupos jihadistas na região não dão sinais de abandonar os combates, que já começaram a contagiar outras zonas do país.

Para travar a subida de violência na Síria, russos e norte-americanos propuseram esta terça-feira documentar e punir os grupos armados que mais persistentemente violam a cessação de hostilidades, ameaçando-os com a saída da trégua, como acontece hoje com o grupo Estado Islâmico e o satélite da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra. A proposta pode desencorajar grupos mais moderados a aliarem-se com jihadistas, como acontece muitas vezes em Alepo. A confirmar-se, o regime sírio perderia o grande argumento de que a sua ofensiva no Norte do país acontece apenas contra terroristas da al-Nusra.

O encontro desta terça-feira em Viena teve como base um documento elaborado nos últimos dias pelos Estados Unidos e Rússia, co-presidentes do grupo e principais interlocutores dos países contrários e favoráveis ao regime de Assad — respectivamente. Mas John Kerry, secretário de Estado norte-americano, anunciou em paralelo que a ajuda humanitária às zonas cercadas pelo regime começaria a ser enviada por meios aéreos se até Junho o Governo continuar a bloquear o acesso a essas localidades — esta semana, por exemplo, o Exército sírio impediu a entrada de lei para crianças em Daraya.

Mas poucos acreditam que as tentativas de recuperar o clima de entendimento de Março e Abril consigam resultados a tempo daquilo que ficou decido na resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que traça o caminho para a paz. O documento prevê uma autoridade de transição política na Síria até ao dia 1 de Agosto, um objectivo irreal tendo em vista a profunda discórdia sobre o futuro de Bashar al-Assad. O regime admite dar postos de Governo à oposição, que não aceita qualquer autoridade de transição que inclua o Presidente — algo que o regime repudia.

Os seus patronos estão igualmente divididos. Diplomatas europeus e árabes ouvidos pela Reuters queixam-se de ter sido relegados para segundo plano pelos norte-americanos, que, argumentam, subestimaram a vontade russa em preservar Assad e hesitam em participar mais activamente. “Vejo que os americanos não estão especialmente combativos ou preparados a usar meios que convençam a oposição a regressar às negociações”, disse um diplomata europeu à Reuters. Os aliados no Golfo mostram-se mais impacientes: a Arábia Saudita disse esta terça-feira que é tempo “de pensar em alternativas” e a Turquia afirmou-se preparada para intervir sozinha no Sul da fronteira.

O enviado especial da ONU para a Síria antecipava nas últimas semanas poder retomar as negociações de Genebra até ao final deste mês. Esta terça-feira, porém, Staffan de Mistura mostrou-se mais céptico e admitiu não ter um calendário para o recomeço dos encontros. “As negociações sírias serão credíveis quando a cessação de hostilidades for credível e haja um progresso credível no plano humanitário”, argumentou, recusando-se a dar uma data exacta para novos encontros. Ao seu lado estava o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, e Kerry, que desdramatizou o incumprimento da data. “Agosto não é um ponto final, é um objectivo. Reconhecemos todos que se fizermos progressos significativos e avançarmos, respeitaremos o processo.”

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