Os jovens negociadores da "geringonça"

São os protagonistas de um acordo histórico. Têm em comum a idade – quase todos sub-40 – e a presença em actividades estudantis “unitárias”. Talvez seja esse um dos segredos da “geringonça”…

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Enric Vives-Rubio

Pedro Nuno Santos, 39 anos

Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares

Depois das legislativas, enquanto duraram as longas reuniões – umas públicas, outras bastante discretas – entre as delegações dos partidos de esquerda, passou várias noites em branco. Irritava-se com as notícias que iam saindo, como se qualquer inconfidência de duas linhas de jornal fosse deitar por terra o trabalho negocial que avançava lentamente nos encontros que o PS mantinha com o BE, o PCP e o PEV. No dia 26 de Novembro, com a posse do actual Governo, teve um momento de descontracção. Saiu da Ajuda, sorridente, e tirou uma selfie, já quase sem luz, com o palácio, iluminado, em fundo.

Acabara de iniciar funções, e logo no cargo mais exposto do Governo, com a função de garantir o cumprimento dos acordos entre os partidos de esquerda. Este economista, de São João da Madeira, é um dos mais convictos defensores das virtudes deste acordo inédito. Talvez por isso, governa a sua área com convicção, e não apenas com instinto. “Desde sempre que defendo isto”, confidencia Pedro Nuno Santos. Num percurso ainda curto, mas cheio de momentos de tensão, elege a aprovação do Orçamento do Estado como símbolo deste caminho: “Olhando para trás, o momento mais importante é a aprovação do Orçamento. Foi a primeira vez que a esquerda se uniu para isso.”

Inscreveu-se na JS com 14 anos. Aos 18 presidiu à associação de estudantes da Escola Dr. Serafim Leite. Depois foi estudar para Lisboa, para o ISEG, onde participou, também, numa lista do género “geringonça”, que agrupava comunistas, bloquistas e socialistas. A relação, política e de amizade, manteve-se ao longo dos anos, e deu origem ao blogue sobre economia Ladrões de Bicicletas. Em 2004 chegou à liderança da JS. P.P.

João Oliveira, 39 anos

íder parlamentar do PCP

Chegou ao Parlamento em 2005, numa vaga de “rejuvenescimento” da bancada comunista. Este advogado alentejano, de Évora, foi conquistando simpatias, dentro e fora do seu partido. “Sensato”, “confiável”, “sério” são alguns dos adjectivos que lhe dedicam colegas do Parlamento. Em 2012 ascendeu ao Comité Central do PCP e, um ano depois, seria o escolhido para substituir Bernardino Soares na liderança do grupo parlamentar.

A sua actividade política também começou na escola secundária, na Associação de Estudantes da Severim de Faria, em Évora. E continuou, no mais emblemático dos ambientes estudantis. João Oliveira foi para Coimbra, estudar Direito. Integrou uma lista que conquistou a direcção-geral da Associação Académica de Coimbra. Foi a sua principal experiência “unitária”.

Num partido que preza o trabalho “colectivo”, João Oliveira está no cargo fundamental para o bom funcionamento do acordo. O líder parlamentar do PCP tem de falar constantemente com Pedro Nuno Santos, na primeira linha de negociação entre os dois partidos. O seu sentido de humor ajuda muitas vezes a tornar mais simples o que parece difícil.

Valeu a pena o acordo? “Considerando a resposta que tem sido dada aos problemas dos trabalhadores e do povo português, confirma-se que valeu tudo a pena.” Até agora, afirma o dirigente comunista, a negociação do Orçamento foi “a mais complexa”. Mas em simbolismo, “talvez as questões da devolução de salários e sobretaxa de IRS” tenham sido as mais importantes para definir ao que vinha esta nova maioria. P.P.

Mariana Vieira da Silva, 37 anos

Secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro

Está sempre ao telefone. Raros são os momentos em que o telemóvel não toca ou não é a própria a ligar. Centralizou no seu gabinete em São Bento a informação do executivo. Mariana Vieira da Silva funciona para dentro do Governo como Pedro Nuno Santos funciona para os partidos que o apoiam. Formam a equipa de secretários de Estado de António Costa.

Mariana, filha de Vieira da Silva, ministro do Trabalho, já estava habituada às lides governamentais. Socióloga, doutoranda em Políticas Públicas no ISCTE, foi assessora da ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Almeida Ribeiro.

É a sombra de António Costa. É discreta, raramente faz declarações ou dá entrevistas. O seu papel não é apenas técnico, é sobretudo político. “Acompanho área a área o que está a ser feito”. Prepara debates, antevê problemas de comunicação e pontos de interesse, tenta agilizar respostas. Na prática, é “coordenação política e comunicação”, diz.

Distribui jogo. Mariana tem nas mãos o essencial da informação do executivo e vai fazendo pontes entre o lado de dentro do executivo e o lado de fora. “Faço isso com o Pedro Nuno, uma vez que parte da agenda é na Assembleia da República”, acrescenta. E já o fazia antes: aquando das reuniões para a formação dos acordos, esteve sempre na equipa que ia dando apoio aos negociadores. Costuma brincar dizendo que gosta mais de fazer, mas que agora está a dar as cartas para que outros façam. L.V.

Jorge Costa, 40 anos

Deputado do BE

Não é omnipresente, mas quase. Tal como Mariana Mortágua, Jorge Costa faz parte do núcleo duro que esteve e está presente em todas as reuniões, primeiro para que os partidos chegassem a um acordo e agora nos encontros semanais entre o Governo e os parceiros. Faz também parte de grupos de trabalho e é um peso político do BE nas reuniões. “Represento uma direcção política”, diz ao PÚBLICO. Mas na verdade é mais do que isso. Em conjunto com Mariana Mortágua, é o rosto mais visível dos bloquistas até na comunicação do trabalho do partido.

E não é a primeira vez que trabalha em conjunto com o PS. Foi, em 2011, o homem do Bloco de Esquerda na campanha presidencial de Manuel Alegre. Na altura teve de trabalhar de perto com Duarte Cordeiro, actual vereador da Câmara de Lisboa e que era o director de campanha do candidato à Presidência da República.

Esse passado também lhe deu experiência para as relações de agora com o executivo. Mas não são só em trocas de informação: “As reuniões não são acertos de contas, não estamos a discutir um Excel. Estamos a discutir opções de política”, diz. As reuniões são constantes e servem, diz o deputado do BE, para uma “elaboração colaborativa” dos vários dossiers.

Jorge Costa é licenciado em Comunicação Social, mas esteve sempre ligado à vida política. Fez parte do PSR e é membro da mesa nacional do BE desde a fundação do partido. Próximo de Francisco Louçã, chegou a ser apontado como “delfim” do antigo líder bloquista.

Com Louçã, foi deputado, mas não foi eleito nas eleições de 2011. Só regressou ao Parlamento neste mandato. L.V.

 

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