Evo Morales até 2025? Os bolivianos disseram que não

Presidente da Bolívia convocou um referendo para saber se podia mudar mais uma vez a Constituição e recandidatar-se pela terceira vez consecutiva. "Não" lidera a contagem, mas Governo avisou a oposição que era cedo para festejar.

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Com 80% dos votos contados, o não estava à frente no referendo AFP/Aizar Raldes

Os eleitores bolivianos disseram que não a um quarto mandato consecutivo de Evo Morales, rejeitando em referendo a sua proposta de emenda constitucional para acabar com a actual limitação do número de candidaturas que um Presidente eleito pode apresentar, e fechando assim a porta à sua eventual reeleição em 2019.

Com mais de 80% dos votos apurados, o “não” a uma nova candidatura de Morales liderava a contagem com 54,6%, contra 45,4% do “sim”, segundo informação do Supremo Tribunal Eleitoral.

A confirmar-se este resultado, será a primeira derrota eleitoral de Evo Morales em mais de uma década. O primeiro Presidente indígena da Bolívia, um antigo produtor de coca, foi eleito em 2006, com o apoio de 54% dos eleitores; ultrapassou um referendo revogatório em 2008 com 67% dos votos e foi sucessivamente reeleito em 2009 e 2014, com margens dilatadas face à oposição de direita (64 e 61%, respectivamente). Mas agora, com a popularidade em baixa por causa de escândalos de corrupção e acusações de autoritarismo, viu-lhe negada a permanência no poder: a sua presidência acaba em Janeiro de 2020.

Morales não se pronunciou depois do fecho das urnas, quando as primeiras projecções apontavam a vitória do não, a não ser para pedir ao país para “aguardar serenamente” pela contagem final dos boletins e garantir que a decisão do povo seria soberana. “Vamos esperar calmamente e responsavelmente pelo anúncio dos resultados definitivos da comissão eleitoral”, sugeriu – quando o Presidente falou, só 30% dos votos estavam contados, e o “não” prevalecia com 63%. O seu vice-presidente, Álvaro García Linera, advertia a oposição contra festejos prematuros, antecipando uma reviravolta na contagem com o escrutínio dos votos vindos das zonas rurais e do exterior.

As projecções eleitorais antecipavam uma votação renhida, e as sondagens à boca das urnas apontavam para uma curta margem entre o não e o sim – 52-48% para a empresa Ipsos, 51-49% segundo o instituto Mori. O curto intervalo era indicativo da divisão ao meio da sociedade boliviana que ficou patente durante a campanha para o referendo.

Apesar de ficar impedido de concorrer a um quarto mandato, e assim de governar até 2025, Evo Morales dificilmente deixará de ser uma figura incontornável na vida política boliviana – mesmo se, como “ameaçou” antes do referendo, tencione recolher-se na sua quinta no fim da sua presidência. “Se o não ganhar, a vida continua. Mas a luta também continua. Não vale a pena desesperar”, declarou.

Como sublinhava à Associated Press o director do think-tank Diálogo Inter-Americano, Michael Shifter, o Presidente boliviano “é um dos líderes mais carismáticos e poderosos da História do país, e não é muito provável que deixe de fazer política”. A sua expectativa é que Morales continue a exercer influência, desde logo através da indicação do seu sucessor político. Independentemente do resultado do referendo, e do futuro político mais ou menos recatado do actual Presidente, Shifter diz que “pela primeira vez é possível imaginar uma transição na Bolívia sem o regresso à ordem anterior de exclusão económica e racial”.

Esse é o mérito de Evo Morales e dos seus governos, considera o analista de Washington. “É inegável que a Bolívia experimentou um crescimento económico impressionante e um enorme progresso social durante a década de Morales, mas a mensagem que aparentemente os eleitores fizeram passar é de que o seu tempo está a esgotar-se, e que querem um Governo mais transparente e um ambiente político mais competitivo”, interpretou.

A Bolívia, um dos países mais pobres do hemisfério ocidental, alcançou mudanças profundas durante a presidência de Morales, através de um vasto programa de investimentos em infraestruturas e de políticas redistributivas que contribuíram para uma significativa diminuição da taxa de pobreza e das desigualdades no país. O “milagre boliviano”, que resulta da nacionalização da indústria de hidrocarbonetos, foi sucessivamente elogiado pelas instâncias financeiras internacionais, por causa das taxas de crescimento sustentado da economia e das reservas internacionais (que passaram de 3 mil milhões de dólares em 2006 para 15 mil milhões passado dez anos).

A eleição e reeleições de Evo Morales significaram um corte com o passado em termos de estabilidade política – só entre 2001 e 2005, o país conheceu cinco Presidentes diferentes. Mas como assinalavam os analistas políticos, a derrota do Presidente no referendo representa apenas uma meia vitória para a oposição, fracturada e incapaz de produzir uma figura representativa e agregadora do descontentamento contra o actual Governo ou o Movimento para o Socialismo liderado por Morales.

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