Sistema que permite consultar bens de devedores ainda tem pouca adesão

PEPEX funciona há um ano, mas os 88 mil pedidos que recebeu foram feitos, na maioria, por uma única entidade. Empresas debatem estratégias para contornar o aumento de custos das cobranças de dívidas.

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Dos cerca de 1,6 milhões de processos pendentes nos tribunais portugueses, mais de metade são acções de cobrança de dívida Fernando Veludo/NFactos

Apesar de ter havido alguma expectativa em relação ao Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo (PEPEX) como forma de evitar que mais processos de cobrança sem probabilidade de sucesso entrassem em tribunal, poucos foram os grandes litigantes que aderiram a este mecanismo, que entrou em funcionamento em Dezembro do ano passado.

Todos os credores com título executivo (dívida já comprovada) podem recorrer a esta plataforma electrónica gerida pela Ordem dos Solicitadores e fazer requerimentos para que agentes de execução acedam a informação confidencial e desenvolvam uma pesquisa prévia sobre determinado devedor. Com isto o credor pode saber de antemão se há bens penhoráveis (como o salário) que justifiquem a execução. Mas, segundo dados recolhidos pelo PÚBLICO, o número de requerimentos introduzidos na plataforma até 20 de Novembro não chegava aos 88 mil, vindos, na sua maioria, de uma única entidade credora. Isto, apesar de os custos serem significativamente mais baixos que os das execuções.

Pelos cálculos enviados ao PÚBLICO pela sociedade de advogados Andreia Lima Carneiro & Associados (ALCA), num PEPEX em que se avança para uma execução, mas em que não há recuperação de créditos, o credor tem um custo de 140,25 euros. Já numa acção executiva sem recuperação, paga 191, 25 euros. Quando o PEPEX evolui para uma execução com recuperação de créditos, o custo são 293, 25 euros, enquanto uma execução com recuperação finaliza com um encargo de 344,25 euros. O PEPEX que se fica pela fase de pesquisa tem um custo de 76,5 euros.

Explicando que “a maior parte das execuções acaba por findar sem recuperação de valores”, Cátia Guedes de Carvalho, advogada da ALCA, considera que este tipo de acções “tem vindo a diminuir em função dos custos cada vez maiores para os grandes litigantes”, que faz com que as empresas tenham “cada vez menores orçamentos” para a cobrança de dívidas. “Muitas vezes a notificação dos requeridos [credores] por carta ou pessoalmente acaba por funcionar”, evitando-se que os processos vão para tribunal, garante a advogada. Apesar de reconhecer que o PEPEX pode poupar recursos significativos às empresas, a advogada diz que o mecanismo “seria quase desnecessário se funcionasse bem certa legislação a montante” como a relacionada com o acesso às listas de devedores.

O PEPEX não é mais que uma “desvirtualização da lei”, acusa a responsável do departamento de controlo de crédito e contencioso da Montepio Crédito, Isabel Porto. E garante que não aderiu a este instrumento “porque se sente lesada”: “No extra-judicial podemos ter todas as maravilhas, enquanto o judicial é suposto continuar a ser lento, caro e complexo”, lamenta. Por isso defende que “tudo o que o PEPEX faz devia ser integrado na acção executiva”.

Isabel Porto diz que neste momento uma das grandes preocupações das empresas é a taxa de justiça especial aplicada aos grandes litigantes, ou seja, as entidades com muitos processos de recuperação de dívida em tribunal. A taxa de 51 euros (mais IVA) que cada uma tem de pagar se quiser aceder às bases de dados com informação sobre os devedores tem suscitado “conversas” entre empresas de diversos sectores, disse ao PÚBLICO. “Já houve três ou quatro reuniões e estamos a tentar perceber o que podemos fazer em relação à taxa”, afirmou. São “preocupações comuns” a empresas como a Galp, a EDP, os operadores de telecomunicações, a ONEY e a Cetelem, exemplificou a responsável da Montepio Crédito.

Esta taxa, que foi introduzida em 2011 e acresce às custas judiciais por cada acção, justificou-se pela necessidade desencorajar a “litigância em massa” (dos cerca de 1,6 milhões de processos pendentes nos tribunais portugueses, mais de metade são acções de cobrança de dívida). É paga pelas empresas identificadas numa lista publicada anualmente pelo Ministério da Justiça. Na lista de 2014, a NOS, a MEO e a Vodafone surgem no grupo das 50 empresas que intentaram mais de 500 acções em tribunal. Também lá estão a EDP Comercial, a EDP Serviço Universal, a Galp Power, o BCP, a CGD, o Novo Banco ou a Tupperware e a Manuel Rui Azinhais Nabeiro, a empresa que comercializa os cafés Delta. Sociedades de crédito como a Sofinloc, Credibom, Montepio Crédito, Cofidis ou Oney estão também neste patamar das 500 ou mais acções. Já a lista das empresas com 200 ou mais acções tem 42 nomes, entre eles a Otis Elevadores, a Thyssenkrupp Elevadores, a Unicer, vários hospitais, empresas de abastecimento de água e seguradoras, entre outras.

Alguns dos grandes litigantes estiveram recentemente num encontro organizado pela empresa de gestão de cobranças Intrum Justitia para “partilhar ideias e obter soluções” para garantir a manutenção da cobrança judicial de dívidas num contexto em que as empresas são obrigadas “a repensarem as suas estratégias de recuperação de créditos”, como destacou uma nota da Intrum sobre o evento.

“Quanto colocamos acções, parece que estamos a apoiar a estrutura jurídica existente, quando é exactamente o contrário” disse ao PÚBLICO Isabel Porto, explicando que as empresas estão empenhadas numa reflexão comum sobre o tema. Queixando-se de “uma péssima lei executiva”, que torna “praticamente impossível a recuperação de créditos”, a responsável da Montepio Crédito frisa que, em Portugal, “as pessoas ainda não têm dinheiro”. Em sua opinião “é preciso mais um ano” para que consigam regularizar as suas dívidas. E não tem dúvidas que quem não consegue pagar por dificuldades financeiras, “é o primeiro a querer fazê-lo quando a sua situação melhora”. Quem não quer pagar “sabe como contornar a lei”, escondendo património e garantindo que ao fim de seis meses a acção executiva se extingue.

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