Vantagens fiscais concedidas à Fiat e à Starbucks violam a lei, diz Bruxelas

Empresas beneficiaram de “decisões fiscais” que lhes permitiu pagar, cada uma, menos 20 a 30 milhões de euros em impostos.

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O caso da Starbucks Manufacturing, sedeada na Holanda, remonta a 2008 MIKE BLAKE/Reuters

Os grupos Fiat e Starbucks beneficiaram de vantagens fiscais que violam as regras europeias, concluiu a Comissão Europeia, depois de abrir uma investigação aprofundada a decisões tributárias concedidas aos dois grupos. Em causa estão “vantagens fiscais selectivas” acordadas pelas autoridades do Luxemburgo em relação ao braço financeiro da Fiat (a Fiat Finance and Trade) e pela Holanda a uma empresa da rede de cafetarias Starbucks.

Esta é a primeira decisão de uma série de procedimentos desencadeados pela Comissão Europeia em 2014 por suspeitas de práticas fiscais agressivas, faltando ainda conhecer as conclusões relativas a outras duas multinacionais – a Apple na Irlanda e a Amazon no Luxemburgo.

As investigações foram abertas em Junho do ano passado, tendo agora a Comissão Europeia concluído que a Fiat e a Starbucks beneficiaram de decisões que lhes “reduziu artificialmente o imposto” a pagar (do ponto de vista técnico, trata-se de “decisões fiscais antecipadas”).

Bruxelas explica, numa nota publicada nesta quarta-feira, que as decisões fiscais antecipadas “são perfeitamente legais”. Nestas situações, as autoridades tributárias concedem cartas de conforto a uma empresa, clarificando como será calculado o imposto a pagar ou como se aplicam as disposições fiscais específicas.

O que aconteceu, no entanto, nos casos da Starbucks e Fiat foram decisões que não reflectiram a “realidade económica” e que recorreram a “métodos artificiais e complexos” para determinar os lucros a tributar às duas empresas. Os acordos fiscais permitiram “a fixação de preços para bens e serviços vendidos entre empresas dos grupos Fiat e Starbucks (os chamados ‘preços de transferência’) que não correspondem às condições de mercado”, explica o executivo comunitário. Isso fez com que grande parte dos lucros da Starbucks tenham sido transferidos para o estrangeiro, onde não são taxados, enquanto no caso do grupo financeiro da Fiat o pagamento dos impostos só incide sobre “uma pequena parte dos lucros reais”, diz Bruxelas.

A conclusão é clara: “Isto é ilegal nos termos das regras da UE em matéria de auxílios estatais”. A Comissão estima que as decisões fiscais do Luxemburgo, tomadas em 2012, permitiram à Fiat Finance and Trade reduzir a carga fiscal da empresa entre 20 a 30 milhões de euros de então para cá. Como as actividades do braço financeiro da Fiat são comparáveis às de um banco, a tributação dos lucros pode ser determinada de forma semelhante à do sector financeiro, assumindo “cálculo da remuneração do capital mobilizado pela empresa para as suas actividades de financiamento”. O problema, diz a Comissão Europeia, é que a decisão fiscal em causa permitiu à empresa beneficiar de uma “metodologia artificial e extremamente complexa que não é adequada para um cálculo dos lucros tributáveis que reflicta as condições de mercado”.

Segundo o executivo comunitário, o processo que lhe permitiu pagar impostos mais baixos de forma artificial aconteceu através de duas vias: “Devido a um certo número de pressupostos e ajustamentos em baixa economicamente injustificáveis, a base de capital estimada pelo acordo fiscal é muito inferior ao capital real da empresa”; ea “estimativa da remuneração aplicada para fins fiscais a esta base de capital já muito mais baixa é também muito inferior às taxas de mercado”. Isso significa que a Fiat Finance and Trade só pagou impostos sobre uma “pequena parte dos seus capitais contabilísticos reais, com uma remuneração muito baixa”.

O caso da Starbucks (relativo à Starbucks Manufacturing, sedeada na Holanda e a única empresa de torrefacção de café do grupo na Europa) remonta a 2008. Tal como no caso da Fiat, Bruxelas alega que o processo aconteceu através de duas vias: “A Starbucks Manufacturing paga royalties [direitos] substanciais à Alki (uma empresa do grupo Starbucks estabelecida no Reino Unido) pelo seu know-how no domínio da torrefacção de café”; e paga ainda “um preço inflacionado por café verde à Starbucks Coffee Trading SARL, baseada na Suíça”.

Para a Comissão Europeia, a “existência e o nível dos royalties significa que uma grande parte dos seus lucros tributáveis é indevidamente desviada para a Alki, que não é obrigada a pagar imposto sobre as sociedades” no Reino Unido e na Holanda. Bruxelas estima que o grupo tenha conseguido reduzir os impostos entre 20 milhões a 30 milhões, o mesmo valor estimado para a Fiat.

Antes do LuxLeaks
A comissária europeia responsável pela política da Concorrência, Margrethe Vestager, veio insistir que “todas as empresas, grandes ou pequenas, multinacionais ou não, devem pagar a parte do imposto que lhes corresponde”.

As duas investigações foram abertas ainda antes de rebentar o escândalo LuxLeaks, que se viria a tornar público em Novembro do ano passado, com a divulgação de milhares de documentos confidenciais que continham informação sobre mais de 500 acordos fiscais secretos celebrados entre a administração fiscal do Luxemburgo e 300 multinacionais. Os acordos foram celebrados entre 2002 e 2010, período em que Jean-Claude Juncker era primeiro-ministro do país (foi chefe de Governo durante 18 anos, de 1995 a 2013).

A revelação do caso causou embaraço a Juncker no momento em que este iniciava o seu mandato como presidente da Comissão Europeia, mas acabou por forçar o novo executivo comunitário a assumir politicamente o combate às práticas fiscais agressivas na Europa como uma das suas bandeiras.

A dimensão do caso levou o Parlamento Europeu a agir, com a criação da chamada comissão TAXE, uma comissão especial sobre práticas tributárias prejudiciais. Concluído está já um projecto de relatório, do qual é co-relatora a eurodeputada portuguesa Elisa Ferreira (PS), com um conjunto de recomendações, que deverão ser votadas dentro de um mês.

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