No rescaldo do LuxLeaks, o G20 promete ser “muito agressivo” contra a evasão fiscal
ONG avisam que as medidas não se podem limitar ao G20, sob risco de proliferarem paraísos fiscais nos países em desenvolvimento.
Os líderes das 20 maiores economias do mundo há muito têm as questões fiscais na agenda: contrariar a “erosão da base tributária”, lutar pela “transparência e troca de informações fiscais”, promover o “desenvolvimento” económico pela via fiscal. São expressões caras aos simpósios e às discussões do G20. Mas no rescaldo do escândalo LuxLeaks, o grupo promete ser “muito agressivo” na reunião deste fim-de-semana em Brisbane, na Austrália.
O ministro australiano das Finanças, Joe Hockey, está optimista e diz estar a trabalhar para haver resultados tangíveis, sem, no entanto, se comprometer a programar medidas concretas. “Estou convencido de que vamos ter uma abordagem muito agressiva”, afirmou Hockey, referindo-se à desarmonização fiscal entre países que permite às empresas adoptar estratégias e escolher regimes especiais para pagar menos impostos.
Hockey conhece a dificuldade em reunir vontades quando estão em causa questões sensíveis como a transparência fiscal das empresas e dos Estados, e a luta contra a evasão. À rádio ABC, que a AFP cita, o ministro das Finanças da Austrália admitiu que os Estados Unidos “estavam muito prudentes no início, mas eles próprios vêem que ficam a perder dinheiro face aos lucros das grandes multinacionais [pelo facto de não haver harmonização fiscal]”.
Jean-Claude Juncker, ex-primeiro-ministro luxemburguês e presidente da Comissão Europeia, vai a Brisbane representar a União Europeia enquanto bloco económico do G20. Juncker quebrou o silêncio esta semana sobre o LuxLeaks – a revelação de que mais de 340 empresas multinacionais beneficiaram no Luxemburgo de acordos secretos para pagar menos impostos do que nos países de origem, o que lhe provocou embaraços em início de mandato na Comissão Europeia.
Fragilizado com o caso, Juncker promete agora encabeçar uma campanha europeia pela harmonização e transparência dos regimes fiscais. É com essa imagem que se apresenta no G20, onde poderá ter de lidar com uma posição de força de David Cameron. O primeiro-ministro britânico, que em confronto directo com Juncker chegou a tentar travar a sua nomeação como novo presidente da Comissão, não deverá prescindir que seja discutida a troca de informação fiscal entre as autoridades nacionais.
Para além do LuxLeaks, há outro caso mediático com contornos ainda por esclarecer. A Comissão Europeia está a avaliar um acordo fiscal entre a Holanda e a Starbucks que terá permitido à cadeia de cafés pagar menos impostos de subsidiárias noutros países. Através de um relatório preliminar, sabe-se para já que o executivo comunitário considera que os acordos de preços constituem ajudas de Estado, deconhecendo-se os remédios que possam vir a ser impostos.
ONG atentas ao G20
“Se recuarmos cinco anos, o segredo bancário era a regra em muitos países”, e, entretanto, foram dados “passos” na troca automática de informação bancária para efeitos fiscais, sublinhou Pascal Saint-Amans, director do centro para a política e administração fiscal da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Com a discussão centrada no G20, as organizações não-governamentais contra a fraude vêm alertar para o risco de decisões fechadas neste grupo de países poder abrir novas frentes de concorrência desleal fora das maiores economias do mundo. A ONE France avisou: “A solução não se pode limitar às fronteiras do G20, sob pena de deixar demasiado espaço para se criarem novos paraísos fiscais, nomeadamente nos países em desenvolvimento”.
Saint-Amans, que está no G20 a acompanhar os trabalhos, defendeu que é preciso uma clarificação das regras e teorizou sobre as vantagens do fim da existência de paraísos fiscais, para aumentar a concorrência em termos fiscais. “Se deixar de haver taxas zero, os países vão tornar-se mais competitivos, com taxas mais atractivas”, afirmou Saint-Amans ao grupo de media australiano Fairfax.