A grande lição das legislativas

Pela primeira vez, todos querem que o seu voto conte. À esquerda e à direita.

Desde o início dos anos 80 do século passado que a direita não ia unida a eleições. Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa (CDS) e Francisco Ribeiro Teles (PPM) foram os artífices dessa primeira coligação, chamada Aliança Democrática, que garantiu vitórias e cujo desígnio foi, desde o início, conseguir uma maioria, um governo, um Presidente. A morte de Sá Carneiro em Camarate acabou por impedir a concretização desse sonho e a AD, que chegou a parecer invencível no complexo jogo da correlação de forças partidárias mal saído dos anos quentes da revolução, acabou por se esvair numa pulsão autofágica que durante anos alimentou o azedume entre os partidos da direita parlamentar. Este afastamento durou os dez anos de cavaquismo, mais os sete dos governos de António Guterres, cuja queda, no início de 2002, e posteriores eleições levaram à formação de um governo resultante de um acordo de coligação pós-eleitoral entre o PSD, então liderado por Durão Barroso, e o CDS, já presidido por Paulo Portas. Desde então, a direita uniu-se sempre que foi necessário, embora com a particularidade de cada um concorrer por sua conta e risco. Até agora, 36 anos depois da primeira AD, a PaF ter reeditado essa necessidade de uma coligação pré-eleitoral. Acima de tudo por uma questão de sobrevivência dos dois partidos, atavicamente ligados às políticas de austeridade e, sobretudo, por ambos estarem absolutamente conscientes de ser essa a única hipótese de vencerem eleições. O método de Hondt, sabe-se, favorece a concentração de votos, a matemática garante que juntos ficam mais fortes.

A unidade da direita levou o eleitorado da esquerda, sobretudo dos partidos à esquerda do PS, a questionar-se sobre a utilidade do seu voto. Um voto que, salvo raras excepções, tem contribuído muito pouco para construir políticas e nada para fabricar alternativas. Pelo contrário, serviu várias vezes para se juntar à direita contra o PS, cavando o fosso de qualquer entendimento. A campanha na rua foi dando sinais crescentes desta consciencialização por parte do eleitorado do BE e do PCP e não é por acaso que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins foram sendo sucessivamente questionados sobre a sua disponibilidade para apoiar um governo de esquerda – ou seja, as posições dos dois partidos surgem mais por pressão dos seus eleitores do que por vontade própria dos seus dirigentes.

A lição mais interessante destas eleições é que, pela primeira vez, ninguém quer ficar de fora de uma solução. Todos desejam que o seu voto tenha expressão e significado e isso é muito enriquecedor para a democracia. Se a direita se conformou em deixar cair os grandes pilares da austeridade, exibindo as virtualidades do programa socialista que antes execrava, a esquerda engole elefantes ao aceitar o pacto de estabilidade e a NATO, no caso do PCP, e deixar para outras núpcias a reestruturação da dívida, no caso do BE. O problema de António Costa é que todos lhe estão a dar todas as condições e a opção não será nada fácil.

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