As causas da crise

O tema parece antigo e algo datado. A crise já teve o seu início há quase oito anos pelo que parece tardio discutir agora as suas causas. Mas acho preocupante que se tenha caído num discurso mais ou menos conformado de que o problema seria de endividamento excessivo do Estado e que o controlo do deficit, a aplicação do tratado orçamental e a austeridade resolveriam inevitavelmente o problema.

Um mau diagnóstico das causas levou a que o tratamento tenha sido desadequado e que, uma crise que começou por ser do sistema financeiro, tenha escalado para a maior crise económica do pós 25 de abril.

Não havia uma crise de dívida soberana no romper desta grande recessão. Até 2007, a dívida pública portuguesa estava na média da União Europeia, as taxas de juro implícitas desta dívida estavam claramente alinhadas com as da zona Euro, inclusive com as dos países mais ricos. O problema era um problema de dívida externa. Esta sim, assumia valores que colocavam Portugal no topo da zona Euro, da Europa e até do mundo. Esta dívida era à data, sobretudo dívida privada, em particular dos bancos. Era uma dívida contraída pelos países do sul com o aval e até incentivo dos países do centro e norte da Europa. O desencadear da crise financeira nos EUA e o seu contágio aos sistemas bancários e financeiros europeus, levou a que, sistemas altamente endividados com o português, perdessem acesso fácil aos mercados e consequentemente começassem a ter dificuldades graves de liquidez. O Estado interveio e rapidamente uma dívida que era sobretudo privada passou, também rapidamente, a pública.

É, nesta altura (a partir de 2007), que Portugal passa a ter efetivamente um problema de dívida soberana. O combate a toda esta crise prova-se particularmente difícil. Portugal tinha já debilidades estruturais severas que tornavam qualquer reação rápida e eficaz substancialmente mais difícil. A estes problemas juntou-se uma má perceção e gestão da crise, aliada a um discurso moral da Europa rica e a questões ideológicas profundas. Os mecanismos europeus de combate à crise expuseram as fragilidades da zona Euro e a incapacidade institucional de uma Europa que se tinha projetado solidária e una.

Ficou claro que a zona monetária incompleta, a dimensão pequena do orçamento comunitário, a inexistência de mecanismos centrais de combate a choques assimétricos, entre muitos outros fatores, foram um entrave ao bom funcionamento da zona Euro e à capacidade desta responder de forma rápida, eficaz e flexível a uma ameaça à sua própria existência. O que é particularmente preocupante é que aos poucos, devido a uma sensação aparente de que o pior já passou, se deixe de tentar atacar tudo o que ficou a nu nestes últimos anos.

Portugal continua a precisar de reformas estruturais profundas. A Europa tem que ver o seu desenho institucional discutido e repensado. O projeto europeu de uma Europa progressista e solidária tem que voltar a estar no centro do discurso político e, consequentemente, deve-se esmiuçar muito bem o que falhou e encontrar formas de assegurar que não torna a falhar. Porque vão existir outras crises. Crises desta natureza ou de natureza diversa mas que irão assolar de forma mais ou menos violenta os países da zona Euro. Não nos dotarmos agora de mecanismos de reação eficazes e capazes é pura e simples estupidez.

Não podemos voltar a ignorar as lições da história, fazê-lo pode revelar-se grave e condenar de forma irreversível um projeto de paz, de desenvolvimento e de verdadeira união entre os estados.

Docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

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