Falta de funcionários nos tribunais do Porto é “verdadeiramente dramática”

Procuradora-geral distrital admite risco de "verdadeira ruptura" e capacidade para responder apenas ao "serviço urgente".

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Em 2007, Manuel Albert Soares foi ilibado em tribunal de primeira instância do Porto Adriano Miranda

O alerta é deixado pela própria procuradora-geral distrital, Maria Raquel Desterro Almeida Ferreira, no relatório anual da Procuradoria-Geral Distrital do Porto: “A carência de funcionários em todas as comarcas do Distrito Judicial de Porto é verdadeiramente dramática”. No documento agora publicado e relativo à actividade de 2014, é ainda explicado que muitas vezes já só conseguem dar resposta aos casos mais prioritários.

“O número de funcionários em falta ascende já a algumas centenas, sendo que em alguns núcleos apenas vem sendo dada resposta ao serviço urgente e mesmo essa só com o recurso a funcionários afectos a outras jurisdições”, lê-se na introdução do documento assinado pela procuradora e que diz respeito à actividade de 1 de Janeiro a 31 de Agosto de 2014.

De acordo com os números avançados no relatório, o distrito judicial do Porto contou com 438 magistrados do Ministério Público, 119 procuradores da República e 295 procuradores-adjuntos. “Este número é manifestamente insuficiente, nomeadamente tendo em consideração que o distrito está retalhado em 77 comarcas (algumas de pequena dimensão, com apenas um magistrado) onde é necessário assegurar a representação do Ministério Público”, defende a procuradora, que na área do documento dedicada à caracterização da população lembra que servem 35% da população de todo o país e numa situação económico-social também “dramática”.

Em relação aos próprios processos, é referido que é necessária a "realização de cada vez maior número de diligências pelos próprios magistrados" e que "os crimes investigados são cada vez mais complexos, não só pelo elevado número de arguidos, que actuam cada vez mais organizados e com grande mobilidade em termos territoriais, e pelo elevado número de ofendidos e testemunhas, mas também pela utilização de mais sofisticados meios, designadamente ao nível da informática, tudo a dificultar não só o trabalho das polícias, como a exigir uma maior intervenção do Ministério Público".

A carência de recursos humanos é extensível aos oficiais de justiça, estimando a Procuradoria-Geral Distrital do Porto que sejam necessários mais 120 no imediato, sob pena de haver uma “ruptura” dos serviços. “Os quadros, em muitos casos já desajustados (insuficientes para satisfazer as necessidade actuais), não têm sido preenchidos e esta insuficiência crónica tem sido agravada pela aposentação ou saída (por outros motivos) de muitos outros funcionários existentes. Se a tendência não se inverter, rapidamente, será de esperar, a breve trecho que em muitos tribunais se atinjam situações de verdadeira ruptura”, alerta o relatório.

Numa reacção ao relatório, o Ministério da Justiça, em comunicado, diz que a tutela “sempre reconheceu a necessidade de colmatar a falta de oficiais de justiça nos Tribunais tendo, no quadro dos conhecidos constrangimentos financeiros, desenvolvido todos os esforços tendentes à resolução do assunto, o que culminou com a abertura de concurso para admissão de 600 oficiais de justiça” em Janeiro.

Na mesma nota, o ministério de Paula Teixeira da Cruz assegura também que o novo mapa judiciário permitiu dar “maior flexibilidade e racionalização de recursos no que se refere também à gestão dos recursos humanos” nas comarcas e que “as alterações ao nível das instalações foram também elas de ordem racional e de acordo com as necessidades mais prementes”. “Neste momento, em todo o país foram já realizadas mais de trezentas intervenções em Tribunais e estão a decorrer outras”, reforça o comunicado.

Tribunais com "condições indignas"
Este alerta não é novo e já tinha sido feito pela procuradora no relatório do ano passado. Na altura, adiantava-se que muitos tribunais poderiam entrar em ruptura com o novo mapa judiciário, que entrou em vigor em Setembro, se não houvesse um reforço dos quadros. O documento já destacava precisamente a “carência de oficiais de justiça” em “todo o distrito judicial” e indicava que os casos mais graves eram os das “comarcas de Vila Nova de Gaia, Paredes, S. João da Madeira, Guimarães, Braga e o do Tribunal de Trabalho de Penafiel”. 

Os problemas nas instalações das comarcas mencionados em Maio, voltam agora a ser destacados, falando-se numa “situação muito heterogénea”. Se há tribunais com “excelentes condições”, como o de Vila Nova de Famalicão, outros “continuam a apresentar condições indignas para o exercício da função judicial”, diz a procuradoria. Como exemplos negativos destaca-se “o caso paradigmático do tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia e do Tribunal de Família e Menores do Porto”, que funciona há anos em instalações provisórias.

Apesar destas carências e dificuldades, Maria Raquel Almeida Ferreira salientou alguns resultados positivos que conseguiram obter em termos de actividade. Um dos objectivos para 2014 era aumentar para uma percentagem entre 55% e 60% o número de inquéritos terminados através de mecanismos processuais de consenso. Ainda a este propósito adianta-se que o distrito conseguiu ultrapassar os 55% na utilização de mecanismos que integram a “suspensão provisória do processo, as formas de processo sumário, sumaríssimo e abreviado e o arquivamento com dispensa de pena”.

“Ressalte-se que só no semestre o Ministério Público, com a utilização do processo sumaríssimo e da suspensão provisória do processo, evitou, pelo menos numa primeira fase, mais de 7000 julgamentos, um valor que já representa 57% do total dos julgamentos efectuados”, lê-se no relatório, que informa que no primeiro semestre de 2014 foram registados no distrito judicial 78.252 inquéritos e que no mesmo período foram encerrados 84.543. "Terminou-se o semestre com uma pendência de 46.453, ou seja menos 7,28% (3652 inquéritos) do que aqueles que pendiam no final de 2013", diz o relatório.

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