Empresas portuguesas preparam-se para queda nos negócios com Angola

A descida acentuada das receitas com petróleo está a provocar o segundo choque económico em Angola desde 2009. Portugal, como principal fornecedor, enfrenta desafios como descidas nas vendas, cancelamentos de obras e mais atrasos nos pagamentos.

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A descida do preço do petróleo nos mercados internacionais é benéfica para países que dependem das importações de crude, como é o caso de Portugal, mas neste caso existe também o reverso da moeda: a forte ligação do mercado português a Angola. Como país produtor de petróleo, que é a sua principal fonte de receitas de exportação e fiscais (perto de 95% das exportações e 30% do PIB do país), Angola está a sofrer o impacto da queda abrupta desta matéria-prima, cujo preço do barril, após mais de três anos acima dos 100 dólares, está agora abaixo dos 50 dólares.

Para agravar o cenário, mesmo antes da descida do petróleo, Angola foi afectada por uma diminuição das vendas ao exterior devido a várias paragens na produção. Com menos receitas, haverá menos dinheiro para gastar, afectando as empresas nacionais na primeira linha, já que Portugal é o principal abastecedor de Angola, e vários grupos têm apostado na presença directa para crescer neste mercado, com destaque para as construtoras.  

A questão, neste momento, já não é se as empresas portuguesas vão ser afectadas, mas sim saber em que dimensão, e quais os sectores mais atingidos. Angola é o principal mercado externo de Portugal fora da Europa, e qualquer embate na sua economia significa uma onda de choque nas empresas nacionais. E, neste momento, conforme constata uma análise recente do angolano BAI Europa, “a alteração verificada até ao momento nos mercados petrolíferos é já suficiente para acarretar sérias implicações sobre a actividade económica do país”. O mesmo relatório destaca que este é o “segundo choque externo, de grande amplitude, após o choque sofrido no final de 2008, desencadeando um efectivo cenário de stress”.

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Nessa altura, e após o acordo de reestruturação de dívida de Angola a Portugal ter sido renegociado em 2004, verificou-se um enorme aumento no atraso dos pagamentos às empresas portuguesas, provocado pela quebra nas receitas e na entrada de divisas (dólares). Angola está hoje mais bem equipada para uma descida do preço do petróleo do que em 2009 (nomeadamente ao nível do volume de reservas em moedas estrangeiras) e há medidas em curso, como a diminuição dos subsídios aos combustíveis no país, mas não consegue evitar a existência de um choque.

O número de exportadoras nacionais para este mercado tem vindo a crescer, aproximando-se dos dez mil, mas neste universo estão muitas Pequenas e Médias Empresas (PME) com uma diversificação geográfica muito reduzida. A balança comercial é claramente favorável a Portugal, cuja principal importação é, precisamente, o petróleo (agora a um custo muito mais baixo). As relações comerciais com Angola tornam-se ainda mais complexas quando se sabe que, em 2014, o país fez subir os custos das importações, através das pautas aduaneiras, e prepara-se para, ainda este ano, aplicar novos limites à entrada de produtos como bebidas e hortícolas.

Os empresários portugueses já estão a preparar-se para ver as vendas cair em Angola e antecipam mais atrasos nos pagamentos. “Receber já é um problema recorrente, tal como fazer com que o dinheiro chegue a Portugal. A questão é que, agora, vai ser ainda mais difícil. Calculamos que a situação vai piorar”, diz João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). O representante dos produtores, que exportaram 237,2 milhões de euros de bens agrícolas de Janeiro a Novembro de 2014, prevê mais atrasos e congelamento de pagamentos mas admite que, para já, ainda não há relatos concretos de dificuldades.

Depois de Espanha, Angola é o principal consumidor de produtos agrícolas e alimentares portugueses, com a cerveja a surgir no topo das exportações. Nos primeiros 11 meses do ano passado, Angola comprou 132,1 milhões de euros desta bebida a Portugal, mais 14,7% do que em 2013, contrariando as expectativas do sector, que temia uma nova redução de vendas devido às taxas aduaneiras. Confrontados com os impactos da queda do preço do petróleo, os cervejeiros preferem, para já, não falar sobre o assunto.

A instalação de fábricas em Angola seria uma forma de contornar a expectável quebra de consumo de produtos estrangeiros e as falhas de pagamento, mas apesar de este país africano querer aumentar a produção local de bens de primeira necessidade e de bebidas (e limitaras importações), as duas maiores empresas portuguesas ainda não conseguiram assegurar presença industrial.

Depois de já ter tido planos para construir uma fábrica de raiz, que nunca chegou a avançar, a SCC optou por fazer uma parceria com a Sodiba, controlada por Isabel dos Santos. Também a rival Unicer tenta há anos ter produção local. As previsões mais recentes apontam o arranque para 2016, no âmbito da Única, a joint-venture com accionistas angolanos.

O presidente da CAP admite que no caso do vinho a “situação é muito delicada”. “Angola representa 25% do total de litros exportados por Portugal. É um quarto das exportações em volume”, alerta.

A elevada dependência angolana da importação de produtos alimentares também tem ajudado os produtores de azeite a aumentar as vendas e, até Novembro, os efeitos da desvalorização do kwanza ainda não eram “muito notórios”, diz Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, Associação do Azeite de Portugal. As exportações cresceram 17,4% em quantidade e 5% em valor. Ainda assim, e porque os preços deste produto estão a aumentar em todo o mundo devido à quebra de produção, o sector prevê “um recuo das exportações de azeite para aquele mercado nos próximos meses”.

Na Riberalves esperam-se consequências, mas para quem já está há dez anos em Angola esta é mais uma contingência a ultrapassar. “Procuramos estar preparados para encarar a situação, que acreditamos ser transitória”, afirma Ricardo Alves, administrador da Riberalves. “A nossa experiência diz-nos que consumo interno vai abrandar, as importações vão cair e existirão atrasos nos pagamentos para as transacções que se realizarem”, diz.

Apreensão na construção
No sector da construção, as empresas mostram-se apreensivas: Angola é responsável por 11% da facturação total das empresas nacionais e por 38% dos negócios conseguidos no exterior, ascendendo, em valor, a dois mil milhões de euros.

Algumas empresas presentes neste mercado, e que falaram ao PÚBLICO sob a condição de anonimato, revelam confiança na conclusão das obras em curso. Admitem, no entanto, que os prazos de pagamento podem sofrer atrasos, situação que é relativamente frequente naquele país. Ainda assim, observam que os atrasos podem ser mais significativos nos casos em que as obras foram contratadas directamente pelo Estado, e quando os pagamentos estão contratados em dólares e não em kwanzas. A repatriação para Portugal de receitas geradas em Angola também pode conhecer maiores constrangimentos, porque a compra de dólares se tornou muito mais difícil.

A maior apreensão dos empresários prende-se com o ajustamento que o Governo angolano poderá introduzirá no seu Orçamento do Estado, com uma travagem a fundo no lançamento de novas obras. O OE foi desenhado, ao nível das receitas e das despesas, com uma previsão do barril a 81 dólares, bastante acima do valor actual. A sua revisão permitiria alinhar a estratégia do Governo para este ano com os actuais preços de mercado. Se tal se verificar nas próximas semanas, o orçamento rectificativo virá clarificar uma redução das despesas, com cortes acentuados em vários projectos. Nessa altura se verá quais serão as empresas mais afectadas.

A AECCOPS, estrutura associativa que agrega grandes empresas de construção, admite que, neste momento, regista-se “alguma redução das oportunidades em concurso”, mas que tal é frequente nesta altura do ano e em início da execução orçamental, pelo que “é difícil afirmar que essa situação é já resultado das reduções de investimento em projectos públicos. Já a Confederação da Construção Portuguesa e do Imobiliário (CPCI), presidida por Reis Campos, diz não ter conhecimento de constrangimentos nos pagamentos, mas reconhece ser “evidente” que se está “perante uma forte e súbita alteração da conjuntura económica”. “Um cenário que leve ao seu agravamento não deixará de exercer impacto junto das empresas, mas essa não é uma situação linear”, acrescenta.

Paula Gonçalves Carvalho e Luísa Teixeira Felino, do departamento de estudos económicos e financeiros do banco BPI, destacam que, “dada a dependência da economia das receitas provenientes do petróleo, é possível que ocorra um abrandamento das exportações de Portugal para Angola, traduzindo uma quebra da procura interna. Todavia, tem-se verificado um dinamismo significativo dos sectores não petrolíferos, pelo que essa reacção poderá não ser sentida tão cedo”.

Atrasos prováveis
Recordam, no entanto, que em 2010, na sequência da queda dos preços do petróleo registada com a crise financeira, e que levou Angola a pedir o apoio do FMI, as exportações caíram cerca de 15%. E, sobre a possibilidade de um agravamento nos prazos de pagamento, defendem que este é um cenário para o qual as empresas devem estar preparadas.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA), Paulo Varela, nota que já se verifica uma desaceleração das exportações, mas que “não há registo de que a redução no crescimento das exportações portuguesas para Angola se deva a atrasos nos pagamentos aos exportadores”. Diz, porém, que, “com a necessidade de Angola, doravante, limitar as operações de invisíveis correntes, onde se incluem os pagamentos dos fluxos de comércio externo, os exportadores começarem a deparar-se com períodos mais longos na liquidação das suas operações”.

Sobre as medidas equacionadas pelo Governo angolano para atenuar o impacto da quebra de receitas oriundas da produção e exportação petrolífera, Paulo Varela enuncia várias, como a suspensão temporária dos pagamentos ao exterior, o congelamento da transferência de dividendos, de prestação de serviços e de importação de mercadorias, a eventual contingentação ou mesmo corte na importação de determinados bens de consumo, como sejam as cervejas, os refrigerantes e as águas minerais e a redução do número de leilões e dos montantes de divisas em venda por parte do Banco Central Angolano (BNA). Além disso, destaca alterações ao nível político, com a nomeação de José Pedro de Morais para governador do banco central angolano.

Situação difícil, mas sob controlo
Ontem, na tomada de posse, José Pedro de Morais, citado pela Lusa, afirmou que o momento “é particularmente difícil”, mas que tudo está sobre controlo. Tendo em conta a redução de divisas que entram em Angola, e com a moeda angolana a desvalorizar, o novo governador “recomendou” aos bancos comerciais, de acordo com a Lusa, que adoptem “medidas correctivas”. Ainda de acordo com a Lusa, o BNA e o Governo estão a estudar medidas para mitigar o problema da falta de divisas.

Os próximos meses, como sublinha a análise do BAI Europa, “em especial o primeiro trimestre, permitirão entender melhor a dimensão do choque em curso e a qualidade da resposta que é dada” pelo Governo angolano.

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