Chumbo do TC não fecha a porta a reformulação de cortes na função pública

Foi o agravamento das reduções dos salários que levou à declaração de inconstitucionalidade dos juízes, o que poderá levar o Governo a rever a medida para regressar a cortes do passado.

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Joaquim Sousa Ribeiro, presidente do TC Miguel Manso
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A decisão do Tribunal Constitucional foi conhecida ao início da noite desta sexta-feira Miguel Manso
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A declaração de inconstitucionalidade dos cortes salariais foi votada favoravelmente por dez juízes (dois parcialmente). O TC tem 13 juízes. Miguel Manso
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Os juízes, depois da leitura do acórdão Miguel Manso

Os actuais cortes salariais na função pública, agravados face aos aplicados em 2013, não passaram no crivo do Tribunal Constitucional (TC). Os juízes do Palácio Ratton chumbaram nesta sexta-feira a medida, assim como as reduções nas pensões de sobrevivência e a aplicação de uma contribuição social sobre os subsídios de desemprego e de doença. No entanto, a decisão não fecha totalmente a porta a cortes nos vencimentos dos trabalhadores do Estado. O Governo ainda poderá reformular a medida e mitigar os impactos orçamentais do chumbo. Das quatro normas em análise, avaliadas em cerca de 1200 milhões de euros, a única que recebeu luz verde foi a suspensão dos complementos de reforma nas empresas públicas deficitárias.

A declaração de inconstitucionalidade dos cortes salariais, votada favoravelmente por dez juízes conselheiros (dois parcialmente), tem a ver com o facto de a medida ter sido agravada face a 2013. Este ano, além de as reduções serem aplicadas a remunerações a partir dos 675 euros brutos mensais (quando a fasquia começava nos 1500 no ano passado), em vez de a taxa ir de 3,5% a 10%, passou a variar entre 2,5 e 12%. Só com esta alteração, o Governo estimava arrecadar cerca de 470 milhões de euros líquidos, descontando os impactos das contribuições sociais e dos impostos.

Foi precisamente esta diferença face ao regime de 2013 que o TC entendeu que violava o princípio da igualdade. “Não pode deixar de considerar-se excessiva [a alteração que veio agravar os cortes] e, por isso, constitucionalmente ilícita perante o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, sendo esse excesso particularmente evidente nos trabalhadores do sector público com remunerações mensais base de valor compreendido entre 675 e 1500 euros”, explicou o TC numa nota sobre a decisão.

No ano passado, os juízes do Palácio Ratton chumbaram a suspensão dos subsídios de férias para a função pública exactamente porque abrangia um escalão remuneratório mais baixo (começava nos 600 euros). “Foi esse critério que agora conduziu” a esta declaração de inconstitucionalidade, visto que a medida em 2014 também incide num escalão baixo, explicou, no final da leitura do acórdão, o presidente do TC.

Joaquim Sousa Ribeiro justificou que os juízes consideraram que “esta diferença [face ao regime de 2013] ia para além do limite de sacrifício admissível”. Mas não fechou a porta à reformulação da medida, deixando uma janela aberta à reposição de cortes iguais aos do ano passado. O juiz-conselheiro disse ser “legítima a opção de diferenciação” entre os trabalhadores do Estado e os do sector privado, em termos do esforço pedido em prol da consolidação orçamental.

Foi com “tranquilidade”, nas palavras do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, que o Governo reagiu ao chumbo do TC. Se decidir reformular as reduções remuneratórias, terá de o fazer através de um Orçamento Rectificativo (seria o segundo este ano). Um processo que levará o seu tempo, até porque implica a aprovação na Assembleia da República.

Para já, a decisão do TC é imediata. A inconstitucionalidade foi declarada por força obrigatória geral, mas sem efeitos retroactivos porque o tribunal decidiu “restringir os efeitos da declaração”, o que significa que o corte é aplicado de Janeiro a Maio, mas não continuará daqui para a frente. A decisão foi justificada com a necessidade de equilíbrio das contas públicas. “A execução orçamental já vai a meio”, afirmou Sousa Ribeiro.  

O alargamento dos cortes face aos de 2013 equivale a cerca de 470 milhões de euros líquidos. Mas, tendo em conta que a reposição não tem efeitos retroactivos, o impacto orçamental deverá rondar os 300 milhões de euros, relativo a nove meses de salários (de Junho a Dezembro, mais os subsídios de férias e Natal). Caso o Governo avance para uma reformulação dos cortes, retomando o regime de 2013, vai conseguir assegurar uma poupança significativa, que rondará os 500 milhões.

Mas mesmo que o executivo de Passos Coelho tome essa decisão, é possível que os salários dos trabalhadores do Estado relativos a Junho sejam pagos na íntegra, a valores próximos de 2010, uma vez que a medida entrou em vigor no ano seguinte. Porém, serão necessariamente mais baixos do que naquele ano, visto que desde então aumentaram os descontos para a ADSE, para a Caixa Geral de Aposentações e foi agravada a carga fiscal. Resta saber se todas as entidades públicas abrangidas terão condições técnicas para que a reposição seja feita já no próximo mês.

Só uma medida escapou ao chumbo
Relativamente aos cortes nas pensões de sobrevivência, que terão de ser repostos a Janeiro e tinham um impacto orçamental de cerca de 100 milhões de euros, o presidente do TC justificou o chumbo com a desigualdade de tratamento entre estes pensionistas. “As pessoas que dependem mais da pensão de sobrevivência são mais afectadas.” Na decisão pesou o facto de a medida reduzir as prestações de quem tem “uma outra pensão de aposentação ou reforma, enquanto deixa incólumes outros titulares de pensões de sobrevivência que aufiram a esse título um montante igual ou superior a 2000 euros, independentemente de poderem ainda manter uma actividade profissional remunerada, o que igualmente viola o princípio da igualdade”, explicou.

À semelhança do que aconteceu em 2013, foi considerada inconstitucional, por violar o “princípio da proporcionalidade”, a taxa de 6% sobre os subsídios de desemprego superiores a 419,22 euros e a taxa de 5% sobre os subsídios de doença que garantem uma prestação superior a 125,77 euros.

A única medida que o TC não declarou inconstitucional foi a suspensão dos complementos de reforma nas empresas públicas que apresentem prejuízos. As poupanças associadas à eliminação deste benefício, que era pago na Metro de Lisboa e na Carris, estão estimadas em 25 milhões de euros por ano. O Governo ainda se debate, no entanto, com dezenas de acções nos tribunais para travar esta suspensão.

A decisão do TC é especialmente importante, pelo facto de ainda não estar fechada a 12.ª e última avaliação ao programa de ajustamento, sendo certo que o Governo sempre garantiu que eventuais chumbos seriam sempre compensados com medidas alternativas para garantir o cumprimento do défice.

Para responder ao chumbo dos juízes, o Governo poderá seguir outros caminhos que não o da reformulação dos cortes salariais. Afastado não está um agravamento dos impostos, como o primeiro-ministro já tinha referido num debate na Assembleia da República, a 9 de Maio, e que nesta sexta-feira voltou a admitir. “Não me posso comprometer com um não aumento de impostos, porque não sei se ele pode vir a ser necessário”, insistiu. Na última semana, membros do Governo garantiram, porém, que não estava em cima da mesa um agravamento do IVA. Isto antes de ser conhecido o chumbo do TC.

Outro cenário poderá ser a antecipação dos cortes na despesa pública projectados para o próximo ano, bem como o recurso à almofada de 911 milhões de euros, que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental revelou estar incluída, a título de dotação provisional e de reserva, no Orçamento do Estado para este ano. com Sofia Rodrigues e Sérgio Aníbal

 

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