TC chumba cortes salariais na função pública

A única medida que passou no crivo dos juízes do Palácio Ratton, a suspensão dos complementos de reforma, é a que tem menor impacto orçamental.

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Um chumbo, dois chumbos, três chumbos. O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional nesta sexta-feira três das quatro normas do Orçamento do Estado para 2014 que estavam para análise: as reduções salariais na função pública, os cortes nas pensões de sobrevivência e a aplicação das contribuições sobre os subsídios de desemprego e de doença. Em causa estão medidas com um impacto orçamental líquido a rondar os 1200 milhões de euros, com destaque para os cortes na função pública.

A declaração de inconstitucionalidade dos cortes nas remunerações dos trabalhadores da função pública só tem efeitos a partir de agora.

No final da leitura do acórdão, Joaquim Sousa Ribeiro, presidente do TC, explicou que os juízes entenderam “restringir temporalmente os efeitos dessa declaração”, confirmando que a decisão de inconstitucionalidade só tem efeito a partir desta sexta-feira. “Na prática, o Estado não fica obrigado a reembolsar os montantes [já retidos]”, afirmou Sousa Ribeiro, justificando a decisão com o “interesse público”. O magistrado assumiu que esta decisão da limitação temporal  está relacionada com o equilíbrio das contas públicas. “A execução orçamental já vai a meio”, afirmou Sousa Ribeiro.

Este ano, em vez de ser aplicado um corte progressivo de 3,5% a 10% sobre os rendimentos acima de 1500 euros brutos mensais – medida que os juízes do Palácio Ratton deixaram passar em 2013 –, estão a ser aplicadas reduções de 2,5% e 12% a partir dos 675 euros brutos mensais.

Sousa Ribeiro referiu que o corte introduzido este ano “agrava estas reduções em dois aspectos”: seja por baixar o limite a partir do qual é aplicado o corte, passando a abranger um escalão “bastante extenso”, seja por alargar os limites das taxas aplicadas. Por essa razão, disse, o TC entendeu que os cortes iam “para além do limite de sacrifícios”.

Como a “execução orçamental vai a meio”, se a medida fosse retroactiva, poderia “prejudicar os objectivos traçados de consolidação orçamental”, justificou ainda Joaquim Sousa Ribeiro.

“O que levou à decisão de conformidade constitucional das reduções das remunerações-base entre 3,5% e 10% foi, além do mais, a circunstância de ficarem isentos os escalões correspondentes às remunerações mais baixas”, justificou Sousa Ribeiro. No ano passado, o TC deixou passar esta redução salarial, mas considerou inconstitucional a suspensão do subsídio de férias pago aos funcionários públicos, porque eram “justamente” abrangidos os rendimentos logo a partir dos 600 euros. Foi o facto de haver um agravamento dos cortes que levou à decisão conhecida nesta sexta-feira, justificou o presidente do TC, dizendo que mantém assim os critérios do acórdão de Abril de 2013.

Relativamente aos cortes nas pensões de sobrevivência, que terão de ser repostos, o presidente do TC justificou o chumbo com a desigualdade de tratamento entre estes pensionistas: “As pessoas que dependem mais da pensão de sobrevivência são mais afectadas”. Na decisão pesou ainda o facto de a medida reduzir as prestações de quem tem “uma outra pensão de aposentação ou reforma, enquanto deixa incólumes outros titulares de pensões de sobrevivência que aufiram a esse título um montante igual ou superior a 2000 euros, independentemente de poderem ainda manter uma actividade profissional remunerada, o que igualmente viola o princípio da igualdade”.

Complementos de reforma, a única medida declarada constitucional
A única medida que o TC não declarou inconstitucional foi a suspensão dos complementos de reforma nas empresas públicas que apresentem prejuízos. As poupanças associadas à eliminação deste benefício, que era pago na Metro de Lisboa e na Carris, estão estimadas em 25 milhões de euros por ano.

A medida foi muito contestada, visto que, para alguns trabalhadores, significa um corte de 60% nos rendimentos. No fundo, estes complementos serviam para cobrir a diferença entre a reforma e o último salário que auferiram quando estavam ao serviço da empresa. Os sindicatos criticavam ainda o facto de estes benefícios terem servido de incentivo à saída de muitos trabalhadores, no âmbito da reestruturação do sector dos transportes.

Depois da contestação em redor da medida, uma proposta dos deputados do PSD e do CDS mitigou ligeiramente os seus impactos, ao fazer com que incidisse apenas sobre os rendimentos superiores a 675 euros. No entanto, são poucos os beneficiários que ficam abaixo deste limiar. Há, neste momento, centenas de reformados a reclamar judicialmente a reposição dos complementos.
 
Quanto à suspensão  dos pagamentos de complementos de pensões nas empresas do sector empresarial do Estado, Sousa Ribeiro disse que “não se verificava violação do princípio da confiança”, porque estão em causa entidades jurídicas autónomas, a Metro de Lisboa e a Carris. O Presidente do TC revelou que “foi também analisada uma possível violação à contratação colectiva”, mas que “o Tribunal entendeu que não havia violação”. 

A suspensão destes benefícios é temporária, visto que o Orçamento do Estado para 2014 estabelece que podem ser devolvidos se as empresas mantiverem lucros por um período consecutivo de três anos.

"Não sou analista, não sou comentador"
O Presidente do TC rejeitou fazer quaisquer comentários sobre eventuais pressões do Governo sobre aquele órgão de soberania. “Eu não reajo, não sou analista, não sou comentador. Temos funções constitucionalmente consagradas”, afirmou.

Questionado sobre se informou previamente o Governo ou o PS da decisão, Joaquim Sousa Ribeiro referiu que comunicou “minutos antes” da leitura do acórdão “o autor da norma – a Presidente da Assembleia da República – e o primeiro subscritor do pedido de fiscalização”, ou seja, os partidos da oposição.

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