O copo meio cheio (ou vazio) dos partidos que apoiam o Governo

O que defendiam Bloco de Esquerda, PCP e Partido Ecologista Os Verdes? E o que conseguiram inscrever neste Orçamento? Esquerda canta meia vitória, mas tudo depende de como se vê o copo.

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João Oliveira congratulou-se com a "importância e alcance" da medida relativa às pensões Nuno Ferreira Santos

Bloco de Esquerda

A deputada bloquista Mariana Mortágua considerou que o acordo entre o PS e o BE "não foi violado", mesmo que a proposta orçamental em cima da mesa não mereça a concordância total do BE. Por partes: o BE venceu, por exemplo, a polémica luta em torno daquele que ficou conhecido como o “imposto Mortágua”. Quando o pensaram, socialistas e bloquistas queriam que servisse para taxar o património imobiliário acima de 500 mil euros. O que ficou plasmado no Orçamento foi, em traços gerais, o valor de 600 mil euros.

Outra vitória dos bloquistas? Este Orçamento prevê alterações à tarifa social da factura da água, o que deverá permitir que seja alargada a mais famílias carenciadas.

O Bloco celebra ainda o corte no que chama de “rendas na energia”, na prática um corte nos financiamentos automáticos às grandes empresas do sector para renováveis e biomassa. Explicando melhor: são remunerações que estas empresas tinham de forma administrativa. Agora, este serviço passa a ser assegurado por concurso, o que trará já no próximo ano poupanças para o sistema eléctrico, ou seja, para os consumidores de electricidade (em 2016, este serviço custou 20,3 milhões de euros aos consumidores), de acordo com o que ficou definido na portaria publicada na quinta-feira pelo Governo. Esta era uma das medidas que esteve a ser trabalhada pelo BE e pelo PS num grupo de trabalho para a redução dos custos do sistema eléctrico.

Vêm aí aumentos nos impostos sobre bebidas alcoólicas, tabaco, automóveis e bebidas com açúcar. Não se pode falar em derrota para BE, já que o bloquista Pedro Filipe Soares tinha aberto o discurso ao aumento dos impostos indirectos: “Muitos desses impostos advêm de comportamentos que não são essenciais, dependem de escolhas. Diversos Estados fazem muitas vezes as escolhas sobre impostos para tentarem promover alterações de comportamento na população”, disse em entrevista ao Observador, acrescentando que o BE sempre defendeu alternativas que não passassem por mais impostos sobre o trabalho. O BE também queria benefícios para empresas em zonas fronteiriças e o Orçamento prevê benefícios fiscais relativos à instalação de empresas em territórios do interior.

O desfecho, porém, em relação à grande bandeira do BE – as pensões – não se pode considerar uma vitória plena. O BE queria um aumento de dez euros para pensões até 845 (inicialmente tinha proposto até 628) e que todas as outras fossem actualizadas ao nível da inflação. Ora, o que o Orçamento prevê é que, a partir de Janeiro, todas as pensões até 838 euros terão aumentos em linha com a inflação. Apenas as pensões até 628 irão beneficiar de uma “actualização extraordinária” de dez euros no próximo ano – esta actualização será feita só em Agosto e exclui as pensões mínimas.

Também a questão da sobretaxa foi uma derrota para bloquistas que insistiram até ao fim que a lei era para cumprir, ou seja, que aquele imposto teria de acabar a 1 de Janeiro de 2017. Não é o que vai acontecer. O fim da sobretaxa será faseado – o último escalão de rendimentos só deixará de pagar em Novembro (quanto mais um contribuinte ganha, mais tarde deixa de pagar a sobretaxa).

Outra derrota: apesar de o primeiro-ministro ter defendido fazê-lo ao longo da legislatura, não há alterações nos escalões do IRS neste Orçamento. O BE queria uma revisão dos escalões e, na campanha eleitoral, defendeu que se voltasse aos oito.

Também a luta pelo fim das “rendas” na saúde – a coordenadora do Bloco criticou várias vezes as Parcerias Público-Privadas no sector – não chegou ainda a bom porto. O Orçamento nada contempla sobre este aspecto.

PCP

O líder parlamentar do PCP discorda que a questão das pensões tenha sido uma derrota para os comunistas. Para João Oliveira, os comunistas tiveram várias vitórias – subsídio de Natal, descongelamento do IAS, entre muitas outras – e, cantando meia vitória, o aumento das pensões contemplado no Orçamento também foi destacado pelo deputado. Para o comunista, mesmo que a medida "não corresponda totalmente" àquilo que o PCP queria, valeu a pena a luta que o partido travou. O PCP queria um aumento de dez euros para todos os pensionistas, mas não é isso que está inscrito no Orçamento.

Sobretaxa: derrota. O PCP insistiu até ao fim que a lei era para cumprir e que aquele imposto teria de acabar a 1 de Janeiro de 2017. Mas o fim da sobretaxa será faseado. O PCP queria ainda uma revisão dos escalões do IRS e, na campanha eleitoral, chegou a defender dez. Não conseguiu.

Também não se pode falar propriamente numa vitória para os comunistas no que toca ao imposto sobre o património imobiliário – o PCP defendia um imposto sobre património mobiliário e imobiliário acima de um milhão.

E o PCP também não se revê no aumento dos impostos indirectos que aí vêm. Os comunistas sempre argumentaram que o aumento destes impostos – que admitiam nos bens de luxo – atinge toda a gente e não tem em conta os rendimentos de cada um.

O Orçamento dá, no entanto, expressão à bandeira repetida vezes sem conta pelos líderes dos partidos que apoiam o Governo - reposição dos rendimentos das famílias. Juntando o aumento das pensões, o alívio da sobretaxa e o ligeiro aumento do subsídio de refeição para funcionários públicos, os partidos da “geringonça” podem falar em vitória.

O Orçamento prevê ainda alterações à tarifa social da água e o PCP também apresentou medidas nesta matéria, defendendo que devem ser as câmaras a decidir por si sem estarem sujeitas às imposições do regulador do sector, “quando se sabe que estas são lesivas dos interesses dos consumidores”.

Quanto ao descongelamento do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), também se pode dizer que o PCP (e o BE) conseguiu o que queria. Embora a promessa já viesse do Orçamento do Estado para 2016, terá efeitos práticos no próximo ano. O Governo vai actualizar o IAS, congelado nos 419,22 euros desde 2009, em linha com a inflação. A fórmula prevista na lei determina que, quando a economia cresce abaixo de 2%, o IAS é actualizado tendo em conta a inflação (sem habitação) disponível no final de Novembro. A actualização será determinada através de um diploma do Governo, quando estes indicadores estiverem disponíveis. Ao actualizar o IAS, que serve de referência para a atribuição de algumas prestações sociais e determina o valor de outras, há um conjunto de prestações que vão aumentar e potencialmente mais famílias poderão beneficiar delas.

Vitória é a contratação colectiva – muito se bateu o PCP pela negociação colectiva na Administração Pública e empresas do Estado. Os comunistas conseguiram, depois de algumas reviravoltas, uma promessa de aumento de subsídio de refeição, pagamento das horas extra e das noites de trabalho.

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Não foi só o PCP, foram todos os partidos da chamada “geringonça” que conseguiram uma outra vitória, ou primeira conquista. Nos acordos à esquerda tinha ficado firmada a progressiva gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório. O que ficou agora aprovado é que todos os alunos entre o 1.º e o 4.º anos, que frequentem a rede pública de ensino durante o próximo ano lectivo, vão ter direito a manuais escolares gratuitos.

Partido Ecologista Os Verdes

A proposta do PEV era ligeiramente mais benéfica para as empresas do interior, mas este partido já sabia, mesmo antes de o orçamento ser entregue na Assembleia da República, que o Governo introduziria a proposta de reduzir a taxa de IRC aplicada às microempresas e às pequenas e médias empresas instaladas no interior do país. E, de facto, o Orçamento prevê benefícios fiscais relativos à instalação de empresas em territórios do interior. Também o BE queria benefícios no IRC para empresas em zonas fronteiriças.

CDS

O crédito fiscal ao investimento é, curiosamente, uma vitória do CDS (partido que não apoia o Governo). Antes de o Orçamento ser entregue na Assembleia da República, o primeiro-ministro disse, no debate parlamentar, que o documento prevê o aumento do plafond de cinco para dez milhões de euros no regime fiscal de apoio ao investimento das empresas. E disse-o quando respondia à líder centrista que o desafiou a aprovar a proposta do CDS para um crédito fiscal ao investimento.

Sindicatos

Os funcionários públicos vão receber metade do subsídio de Natal em Novembro e a outra metade em duodécimos. Está também previsto um aumento do subsídio de refeição de cerca de cinco euros por mês para a função pública, estando igualmente prometido para os trabalhadores das empresas públicas um aumento nas horas extraordinários, trabalho nocturno e subsídio de refeição. É uma derrota para os sindicatos que queriam ir mais longe e defendiam o aumento dos salários e o descongelamento das carreiras.

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