Direita recua para que inquérito à Caixa avance já

PSD e CDS deixaram cair a avaliação do processo de recapitalização e fixam-se nos “factos” conhecidos para que o texto passe pelo crivo de Ferro Rodrigues. Presidente da AR diz ao PÚBLICO que só decide depois de ver o texto.

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A Caixa estará sob várias investigações Joana Freitas

PSD e CDS não desistem de forçar o início imediato da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos e por isso decidiram apagar do texto que lhe dava corpo as partes que criaram dúvidas ao presidente da Assembleia da República. Mas Ferro Rodrigues não diz já que está tudo bem. “Parecem ser boas notícias. Aguardemos o novo texto sobre a comissão de inquérito”. Entretanto o que avança mesmo é uma auditoria externa pedida pelo Governo.

O processo ficou ontem suspenso, depois de Ferro Rodrigues enviar o documento para a Procuradoria-Geral da República com dúvidas sobre a legalidade de um inquérito parlamentar que incida sobre um processo de recapitalização que ainda não aconteceu. Para responder às questões de Ferro, mas sobretudo para evitar que a espera por um parecer da PGR atrasasse o início da comissão de inquérito, PSD e CDS decidiram reformular o texto. Assim querem apenas “avaliar os factos que fundamentam a necessidade da recapitalização da CGD, incluindo as efectivas necessidades de capital e de injecção de fundos públicos e as medidas de reestruturação do banco”. Cai a intenção de avaliar “o processo de recapitalização que está a ser preparado e negociado” e também a vontade de avaliar as “alternativas possíveis”.

Agora, o presidente da Assembleia da República vai de novo avaliar o documento para perceber se responde às suas inquietações. Isto porque ontem de manhã, Ferro Rodrigues fez saber que as dúvidas dele se prendiam com os poderes do Parlamento para este tipo de avaliações: “Confrontando o objectivo e fundamentos desta iniciativa com os limites constitucionais e legais deste instrumento, é lícita a dúvida sobre se o inquérito parlamentar é o meio adequado para a Assembleia da República obter a informação que, de acordo com os fundamentos que constam do requerimento, lhe estará a ser recusada pelo Executivo", lia-se no texto que enviou para a PGR. Mas questionava mesmo se este pedido não extravasava "os poderes de investigação das comissões parlamentares permitidos pelo princípio de separação de poderes, arrogando-se poderes que a Constituição e a lei não autorizam".

Esta iniciativa do presidente da Assembleia da República foi apoiada, em bloco, pelos partidos da esquerda o que, para o PSD, foi um “ataque à democracia”. “Por mais ataques à democracia que possam ser formulados por parte destes partidos, não há capacidade para evitar essa comissão de inquérito", defendeu o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, com Nuno Magalhães, do CDS, a corroborar as suas palavras.

Neste jogo político, PS, PCP e BE falaram a uma só voz. Os partidos estão de acordo com Ferro Rodrigues e preferiram voltar-se para o plano das intenções da direita. “Não deixaremos o PSD e o CDS destruírem a Caixa Geral de Depósitos” disse Carlos César, líder dos deputados socialistas, aos jornalistas. Porém, para não ser acusado de falta de transparência – porque não quer que “nada fique oculto no passado” – o PS decidiu promover um debate potestativo no dia 1 de Julho sobre o assunto.

O BE acusou ainda PSD e CDS de “preferirem a chicana política e o confronto do juridiquês e não o esclarecimento”, disse Pedro Filipe Soares. E o PCP preferiu, pela voz de João Oliveira, preferiu salientar que a intenção do PSD e do CDS é a de “fragilizar o papel da Caixa”.

Auditoria, sim, mas do Governo

Além das dúvidas sobre a comissão de inquérito, Ferro Rodrigues pôs um travão nas intenções do PSD e do CDS que querem que o Parlamento promova uma auditoria. Esta foi a segunda conclusão do dia: a auditoria “independente e externa”, que seria paga e contratada pelo Parlamento à Caixa Geral de Depósitos e ao Banif, deve ficar pelo caminho. O presidente da Assembleia da República manifestou dúvidas se também esta iniciativa não extravasa os poderes do Parlamento e retirou-a do guião de votações, alegando ter 48 horas para a avaliar. Hoje se saberá se a aceita.

Nada disto aconteceu sem o protesto dos sociais-democratas. O dia de ontem acabou por marcar um fosso entre as bancadas da direita e Ferro Rodrigues, que chegou a ser acusado de ser “anti-democrático”. O deputado do PSD António Leitão Amaro, falando sobre a decisão do Parlamento (promovida por Ferro e depois aprovada pelos partidos da esquerda) lamentou: "Foi um dia lamentável para a democracia parlamentar".

Independentemente de esta "investigação" ter ou não os dias contados – se não for Ferro a não admiti-la, dificilmente a esquerda se junta a PSD e CDS para aprovar a recomendação –, o Governo decidiu incumbir a nova administração da CGD de “proceder à abertura de uma auditoria independente a actos de gestão da CGD praticados a partir de 2000”, conforme se lê no comunicado do Conselho de Ministros de ontem.

Este pedido do executivo foi justificado com o facto de “membros do Governo anterior, nomeadamente a ex-ministra das Finanças”, Maria Luís Albuquerque, terem suscitado recentemente “dúvidas sobre a legalidade de actos de gestão praticados até 2015”. Apesar disso, o executivo recorda que “no período compreendido entre 2011 e 2013, o Banco de Portugal” promoveu “quatro exercícios transversais de revisão dos níveis de imparidade da carteira de crédito que envolveram os oito maiores do sistema bancário português, incluindo a CGD” e que em 2014, “a CGD foi submetida a um processo de revisão da qualidade dos ativos (focada nos níveis de imparidade da carteira de crédito) e um teste de esforço à resiliência do balanço”.

 

As avaliações da Caixa

Comissão de inquérito – É certo que vai avançar porque foi um requerimento potestativo do PSD e do CDS. Quando? Ainda é uma incógnita, tendo em conta que Ferro Rodrigues ainda vai ter de admitir o novo texto. Se tudo correr bem, a comissão tem de estar instalada na próxima semana e incidirá sobre actos de gestão e administração desde 2000. Se Ferro insistir em ter um parecer da PGR, pode escorregar para depois do Verão.

Avaliação pela Comissão Europeia – Outro dado certo. Não se sabe quando termina, mas o Governo insiste em dizer que corre bem e que está quase fechado. É uma avaliação ao plano de recapitalização, do qual pouco se sabe. Sabe-se que é um “plano alargado”, mas desconhece-se o valor exacto em cima da mesa.

Auditoria externa – Não é a pedida pelo PSD/CDS, que seria promovida pelo Parlamento, mas sim uma auditoria “independente” feita a pedido do Governo. O anúncio foi feito ontem depois do Conselho de Ministros e passa por avaliar os actos de gestão do banco "praticados a partir de 2000".

Auditoria forense – Foi um pedido do BE ao qual o PS não se opôs, mas o requerimento para que seja feita tem ainda de ser votado.

Conclusões das auditorias anteriores – Não sendo exactamente um avaliação, é mais um pedido do BE que deve ser correspondido. O Governo tem feito referência a estas auditorias do Banco de Portugal às contas da CGD até 2012, aquando da última recapitalização.

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