“Chocante e horrível”: escritores, políticos e jornalistas reagem ao ataque contra Salman Rushdie

O escritor foi esfaqueado várias vezes quando se preparava para discursar no estado de Nova Iorque. Autores e admiradores do seu trabalho condenaram o ataque “horrível” e “premeditado”.

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Rushdie foi atacado em palco, quando se preparava para dar uma palestra em Nova Iorque EPA/JL CEREIJIDO

O escritor Salman Rushdie vivia sob ameaça de morte desde que em 1988 publicou um romance considerado blasfemo pelas autoridades religiosas iranianas, mas, esta sexta-feira, acabou por ser atacado com uma faca quando se preparava para dar uma palestra no estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Foram já várias as figuras da literatura, assim como políticos, jornalistas e admiradores do trabalho de Rushdie, a condenar o “chocante e horrível” ataque que sofreu no país de que se tornara cidadão em 2016.

Em nome do Governo britânico, o primeiro-ministro Boris Johnson lamentou que Salman Rushdie tenha sido esfaqueado “no exercício de um direito que nunca devemos deixar de defender”, e manifestou o desejo de que o escritor “esteja bem”. Também a ministra da Cultura britânica, Nadine Dorries, condenou o “horrendo” ataque “a um gigante literário” e grande defensor da liberdade de expressão”.

Em comunicado, Suzanne Nossel, directora executiva da organização literária sem fins lucrativos PEN America, a que Rushdie chegou a presidir, considerou o ataque “brutal e premeditado”.

“A PEN America está a recuperar do choque e do horror da notícia de um ataque brutal e premeditado ao nosso ex-presidente e forte aliado Salman Rushdie. Não conseguimos pensar em nenhum incidente comparável a este violento ataque a um escritor em solo americano”, declarou. Nossel revelou que horas antes Rushdie a tinha contactado para saber se a organização que dirige poderia ajudar escritores ucranianos que precisam de refúgio.

“Nas últimas décadas, Salman Rushdie tornou-se um alvo devido às suas palavras, mas nunca vacilou. Dedicou uma energia incansável a ajudar outras pessoas vulneráveis ​e ameaçadas”, acrescentou.

Abdulrazak Gurnah, Prémio Nobel da Literatura 2021, reagiu ao The Guardian: “Esta é uma perseguição terrível para alguém que escreveu sobre coisas que compreendeu. Passamos por isto há séculos, e achávamos que ele estava a salvo, mas agora descobrimos que não. Parece que os escritores não podem falar e estão em perito.”

Também a editora do escritor, a Penguin Random House, deu conta do choque perante a notícia do ataque, num comunicado assinado pelo presidente da administração do grupo, Markus Dohle. “Estamos profundamente chocados e abatidos (...). Condenamos este violento ataque público, e os nossos pensamentos estão com Salman Rushdie e a sua família neste momento perturbador.”

No Twitter, o escritor Stephen King desejou as melhoras a Rushdie, enquanto o apresentador Scott Simon questionou “o que é a liberdade de expressão”, utilizando uma frase do autor: “Sem a liberdade de ofender, ela deixa de existir.” E J.K. Rowling, a autora da saga Harry Potter, confessou-se “doente” ao saber da notícia.

Lamentando este “ataque à liberdade de pensamento e de expressão”, o escritor britânico Ian McEwan escreveu por sua vez que “Salman tem sido um inspirador defensor de escritores e jornalistas perseguidos pelo mundo fora”, e manifestou-se confiante de que será capaz de superar esta duríssima prova. “Ele é um espírito ardente e generoso, um homem de talento e coragem imensos, e isto não o deterá.”

Em declarações ao jornal britânico The Guardian, o autor japonês Kazuo Ishiguro, vencedor do Nobel da Literatura, lembrou que Salman Rushdie se mostrou “incrivelmente corajoso” ao longo das várias décadas em que foi obrigado a lidar com ameaças de morte, “arriscando-se permanentemente pelo direito a pensar e falar livremente, apesar dos perigos que nunca desapareceram”. Ouvida pelo mesmo diário, a escritora indiana Arundhati Roy, autora do best-seller O Deus das Pequenas Coisas, disse não ter palavras que dêem conta do seu choque e da sua tristeza: “Nada pode justificar este ataque.”

Wajahat Ali, autor de Go Back to Where You Came From (Volta Para Onde Vieste, em português) e colunista no The Daily Beast, salientou que uma acção como esta só pode ter sido executada “por pessoas desequilibradas que querem policiar o mundo através da violência”.

“Temo que estes exemplos de violência continuem a aumentar com a polarização, a desinformação e o extremismo”, escreveu na rede social Twitter.

Neil Gaiman, autor da saga The Sandman, recentemente adaptada pela Netflix, disse-se “chocado e angustiado” depois de ter tomado conhecimento do ataque ao amigo. “Ele é um bom homem e um [ser] brilhante e espero que esteja bem”, lê-se na publicação.

O ataque também mereceu a condenação de vários políticos do estado de Nova Iorque, nomeadamente o senador Charles E. Schumer. “É um ataque à liberdade de expressão e ao pensamento, que são dois valores fundamentais do nosso país”, escreveu no Twitter, acrescentando que espera que Rushdie recupere rapidamente e que o responsável pelo ataque seja julgado.

O próprio Instituto Chautauqua, o centro educativo onde Rushdie foi atacado, já se pronunciou. “Pedimos as vossas orações por Salman Rushdie e Henry Reese [o apresentador da sessão, também ferido no ataque], e paciência, enquanto nos concentramos totalmente na nossa coordenação com a polícia”. No tweet, a instituição relembrou ainda que os restantes eventos do programa do dia foram cancelados.

A governadora do estado de Nova Iorque, Kathy Hochul, elogiou o trabalho dos socorristas e a resposta rápida da polícia, à qual deu indicações para prestar a ajuda necessária à investigação em curso. “Os nossos pensamentos estão com Salman e com os seus entes queridos após este horrível acontecimento”, escreveu.

Alguns políticos portugueses também já reagiram ao ataque desta sexta-feira. É o caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, que escreveu: “As sociedades democráticas não podem aceitar a intolerância e a violência”. Também o deputado ao Parlamento Europeu, Paulo Rangel, se manifestou e classificou este ataque como “hediondo”.

As motivações do ataque e a identidade do agressor ainda são desconhecidas, mas já suscitaram uma onda de preocupação no Conselho de Relações Americano-Islâmicas, o maior grupo muçulmano de direitos civis dos EUA, que teme que as pessoas possam precipitar-se culpando os cidadãos muçulmanos e o islão.

“Os muçulmanos americanos, como todos os americanos, condenam qualquer violência contra qualquer pessoa na nossa sociedade. Teremos de monitorizar a situação e averiguar os factos”, afirmou o porta-voz Ibrahim Hooper, citado pelo jornal The New York Times.

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