Anti-climax em Wyoming, Vila do Conde

Em tempo de abertura do Curtas 2015, Frankie Chavez musicou ao vivo um melodrama mudo com Douglas Fairbanks, sem se impor nem brilhar

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The Good Bad Man, de Allan Dwan DR
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Frankie Chavez Rita Carmo

Depois de um arranque "em força" com os dois primeiros capítulos das Mil e Uma Noites de Miguel Gomes (salas a abarrotar e electricidade geral no ar), seria difícil à abertura do programa de filmes-concerto Stereo estar à sua altura.

Tudo empalideceria por comparação - e a discrição da actuação de Frankie Chavez, musicando ao vivo um mudo de 1916 com Douglas Fairbanks ao fim da noite de sábado, apenas o confirmou. Ao longo de pouco menos de uma hora, Chavez, aliás Joaquim Chaves, nas guitarras, e o seu baterista João Correia, forneceram essencialmente uma ilustração sonora, eficaz mas derivativa, para as imagens de The Good Bad Man, de Allan Dwan, um veículo para uma das mais carismáticas vedetas do cinema mudo, Douglas Fairbanks. 

Escrito pelo próprio Fairbanks, fotografado por Victor Fleming (que dirigiria anos mais tarde O Feiticeiro de Oz e E Tudo o Vento Levou) e supervisionado por D. W. Griffith, The Good Bad Man chegou a Vila do Conde num restauro realizado a partir da única versão ainda existente: uma remontagem de 1923 que, segundo os especialistas, torna o filme mais num melodrama do que num western, apesar da sua localização num cantinho sem lei do Wyoming. A sensação, ao vermos um filme mudo, é sempre a de assistirmos a uma transmissão de um passado histórico, de reencontrarmos uma qualquer pureza primordial do cinema onde reconhecemos a origem de tantas narrativas que se tornaram em lugares-comuns com o passar dos anos. 

The Good Bad Man, no papel, é isso: um história que hoje remeteríamos para uma telenovela ou folhetim, mas que na altura podia ainda ser levada "a sério" e que se inscreve mais no que conhecemos do cinema de Griffith do que da imagem que fazemos do herói Fairbanks. O actor interpreta um fora-da-lei cujos roubos apenas servem para prover aos despossuídos da vida e que, ao apaixonar-se por uma jovem, cruza-se também com o homem que matou o seu pai, perseguiu a sua mãe e desgraçou a sua família. Vista hoje, contudo, a simples energia destes planos e o modo como criam uma espécie de estenografia das emoções continua a ser algo de impressionante. 

O que Chaves e Correia fizeram teve como maior mérito nunca se sobrepor às imagens, nem se apropriar delas, mas como principal problema nunca ter encontrado o equilíbrio certo para existir ao lado delas. Foi, apenas, uma ilustração sonora, extremamente eficaz mas algo derivativa, das imagens de Dwan, numa textura a meio caminho entre Dead Combo, Ry Cooder e a "Americana" modelo Walkabouts, mas que raramente saíu da convenção já bastante gasta da "música para paisagens desertas do Oeste". Só a espaços, quando a harmónica invocou algo de Bob Dylan ou quando guitarrista e bateria entraram em sincopado duelo paredes-meias com o jazz de Bill Frisell, a música de Frankie Chavez conseguiu ganhar uma personalidade própria, verdadeiramente entrosada com o filme, deixando água na boca para o que este encontro poderia ter sido.

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