A diaba da faísca

Muriel Spark é diabólica: atraiçoa, desvenda e denuncia as mulheres, os homens, os tempos, as crenças e tudo o que não se deve pôr em causa para não ofender os amigos e as amigas.

Eis um extracto de The Ballad of Peckham Rye de Muriel Spark. O diabo, na pessoa de Dougal Douglas, está a falar com a nova amante Merle Coverdale, que também é amante do patrão dela, o Sr Druce.

"Porque é que não estás na fábrica?", perguntou Dougal.

"Estou chateada de mais para trabalhar. O Sr Druce está a falar em mudar-se para o estrangeiro. O que é que eu hei-de fazer?"

"O que é que tu queres fazer?", perguntou Dougal.

"Quero ir com ele mas ele não me quer levar".

"Porque não?"

"Ele sabe que eu não posso com ele".

O leitor ri-se e empatiza com a Miss Coverdale. O Sr Druce é um estupor que engana a mulher e desilude a amante. Como se isso não bastasse, ele descobre, na altura mais inconveniente, que ela não gosta nada dele. 

Merle Coverdale prefere sair da Inglaterra com o homem de que não gosta a ficar sozinha, com o diabo por quem tem um fraquinho, na Inglaterra. Em Peckham, ainda por cima. Mas o raio do homem não quer levá-la: vai deixá-la ali, o ingrato de merda.

Este é apenas um pormenor do pequeno romance que Muriel Spark publicou em 1960. Spark é diabólica: atraiçoa, desvenda e denuncia as mulheres, os homens, os tempos, as crenças e tudo o que não se deve pôr em causa para não ofender os amigos e as amigas.

Fascina-se pelo que odeia. Não sei em que livro ela diz que aprendeu muito com uma mulher, tendo adoptado os princípios precisamente contrários aos dela. Logo remata: "Já ela não ganhou nada em conhecer-me".

Grande diaba.

Sugerir correcção
Comentar