Mesmo sem a ajuda de crowdfunding, filme de Nuno Markl vai ser rodado

A ideia original era que fosse o público a financiar o filme através de crowdfunding. Não foi possível, mas muitos continuam a fazer doações para que o filme aconteça, e Nuno Markl pode já dizer com certeza: Por Ela, o filme com César Mourão, Tónan Quito e Ana Bacalhau, vai mesmo tornar-se realidade.

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Os actores de Por Ela :Tónan Quito (à esq.), a vocalista dos Deolinda, Ana Bacalhau (ao centro) e César Mourão no cartaz do filme que tem argumento de Nuno Markl
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Os actores Tónan Quito e César Morão e o realizador, à direita, Jorge Vaz Gomes
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Nuno Markl Fábio Teixeira

À procura de patrocínios para o seu filme, Nuno Markl recebeu um contacto do presidente da Câmara do Fundão pondo-se à disposição para o que fosse preciso, o que é fácil de explicar: no pouco que Nuno Markl revelou sobre o seu filme, há cerejas, e o Fundão é a capital das cerejas. “Ainda bem que ele se disponibilizou, porque eu ia pedir-lhe ajuda”, conta o guionista ao PÚBLICO.

É assim que Nuno Markl vai levar avante o filme Por Ela, que escreveu: pedindo ajuda a todos aqueles que quiserem apoiar na concretização do filme, tendo já pequenas empresas a apoiá-lo para filmar a história de Luísa, uma rapariga "simples" que morre deixando o seu noivo, Henrique, e o seu melhor amigo, Pedro, a tentarem criar uma amizade, em sua memória.

O projecto ficou conhecido quando Nuno Markl e a sua equipa o submeteram à plataforma de crowdfunding portuguesa PPL, em que o público pode dar dinheiro, muitas vezes pequenas quantias, para financiar projectos que queira ver concretizados. Estabeleceu como meta os cem mil euros e para incentivar os donativos fez diversas provas e transmitiu-as em directo na Internet: aos 4500 euros filmou-se a fazer uma dança tribal, aos oito mil, deu um mergulho nocturno numa piscina, em pleno Março, aos 20 mil, subiu os 240 degraus da Torre dos Clérigos, no Porto.

Em 45 dias, juntou cerca de 40 mil euros, o que apesar de ser o recorde de dinheiro angariado na PPL, teve de ser devolvido àqueles que contribuíram, embora muitos tenham insistido em doar o dinheiro – no crowdfunding, quando os projectos não reúnem o total do dinheiro de que precisam, não podem ficar com o montante angariado.

“Havia um lado em mim que sabia que era pouco provável”, conta Nuno Markl. Esta quantia nunca tinha sido atingida e o humorista lembra que o processo de doação de dinheiro nesta plataforma envolve alguma burocracia, o que sabia poder dissuadir o público. Apesar de não ter ganho dinheiro com esta campanha online, o filme ganhou publicidade e fãs, antes mesmo de ser rodado. “Houve pessoas que me mandaram mensagens e estavam mais tristes do que eu por não termos conseguido”, conta o humorista, lembrando a história de um seguidor no Facebook que sugeriu que, enquanto não há filme, se vão filmando pequenas curtas sobre as personagens, para que o público possa ir vendo qualquer coisa. É uma sugestão que a equipa está a ponderar.

Desde que acabou o prazo de financiamento no crowdfunding, em Abril, a equipa está continuamente a receber ofertas, algumas delas na sua página de Facebook: são pequenas empresas que emprestam as suas instalações para cenários, como foi o caso da Funerária Clássica, ou os diversos restaurantes que já se propuseram a oferecer as refeições à equipa. Também são frequentes os comentários de pessoas que oferecem a sua própria casa para ser o espaço de uma das personagens – num dos últimos posts, pergunta-se quem tem uma casa em tons de azul para a personagem interpretada pela cantora Ana Bacalhau. Para além daqueles que oferecem a sua casa, há também os que dizem que a podem pintar para que entre no filme.

Nuno Markl não quis candidatar-se a apoios públicos por ser um processo demorado e burocrático. “Ando há cinco anos a tentar financiamentos públicos para um filme mais caro com o Luís Galvão Teles e sei bem o quão perro é todo o sistema”, conta. Enquanto escrevia o argumento para o filme em Agosto passado, foi-se apercebendo de que esta não era uma história que precisasse de tantos recursos e que seria uma oportunidade para fazer um projecto financiado de uma forma alternativa. O guião surgiu por isso a par com a ideia do crowdfunding, que apesar de não se ter traduzido em dinheiro, continua no seu conceito – afinal, boa parte dos recursos já reunidos continua a vir do público.

Nesta altura, só falta um patrocinador maior, sendo que já há contactos promissores. Nuno Markl diz não querer no entanto financiar-se junto de um canal de televisão, por exemplo – “queremos ficar o mais independentes possível e não queremos fazer um telefilme”. A meta já não são os cem mil euros, que seriam suficientes para fazer um filme “em espírito guerrilha”, mas sim “o máximo que pudermos reunir, para que o filme tenha o melhor aspecto possível”.

Com as pequenas ajudas, e embora a equipa ainda não esteja a ser paga, Nuno Markl já pode dizer com certeza que o filme vai acontecer. Se não for rodado neste Verão, como estava previsto, será no próximo ano. Os ensaios já acontecem, aliás, desde Março, altura em que foi lançado o apelo na PPL, e estão a ser uma experiência fora da zona de conforto para todos: Nuno Markl está mais habituado a fazer rádio e televisão. Assim como o realizador do filme, Jorge Vaz Gomes, que dirigiu programas como ShowMarkl, ou foi o repórter mudo no programa Os Culturistas, ambos no Canal Q. César Mourão é um dos protagonistas, tem trabalhado a comédia de improviso e aqui aparece num registo dramático. Tónan Quito, outro protagonista, é um actor mais experimentado no teatro, e Ana Bacalhau, vocalista dos Deolinda, tem aqui a sua primeira experiência na representação depois das aulas de expressão dramática do secundário.

“Fiquei apaixonada pela história, pelas personagens, por tudo. Pensei que mesmo não sendo actriz não poderia recusar. Gosto de sair da minha zona de conforto e quero ver se consigo fazer isto com dignidade”, diz Ana Bacalhau. A sua personagem, Luísa, morre nesta trama.

A escolha de Ana Bacalhau não tem nada que ver com a capacidade vocal de Luísa – “ela não é cantora, embora a música esteja muito presente e seja importante nas relações das personagens”, diz a vocalista dos Deolinda. Ana Bacalhau está no filme porque, quando Ana Galvão, mulher de Nuno Markl, leu o guião, lembrou-se de que a cantora é a rapariga simples, engraçada, alegre, mas não tonta de que precisavam. No fundo, uma girl next door. “Por se identificar tanto comigo, achei que podia aceitar”, diz a cantora, acrescentando que aquilo que aprendeu nas aulas de expressão dramática e no palco, com o público, vai ajudar.

O argumentista, Nuno Markl, já avisou que este filme não é uma comédia. “Com 43 anos, há um lado que fica cansado deste funcionalismo público do humor que é escrever piadas todos os dias”, diz Markl. Haverá momentos de humor, como aquele em que o guionista é a voz de uma rádio local que anuncia uma música de Graciano Saga, ou o agente funerário interpretado por Ricardo Araújo Pereira. Mas mesmo estes momentos aparecem plantados em situações de tensão, diz Markl.

O que está prometido na Internet, num pequeno teaser, é um filme que quer divertir mas também emocionar. Afinal, “um bocado como a vida” – “uma espécie de comédia sobre amor, amizade, morte, luto, cantigas, estradas e cerejas” que, sabemos agora, vão ser do Fundão.

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