Contrato com a Christie’s não é revelado porque a leiloeira não quer, diz secretária de Estado do Tesouro

Isabel Castelo Branco acredita que o processo da venda vai correr bem.

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A exposição das obras na leiloeira Christie’s Reuters

O contrato celebrado entre a Parvalorem e a Christie’s para o leilão das 85 obras de Joan Miró em Londres não é divulgado porque a leiloeira não quer e, por isso, se o Governo o fizer, terá de arcar com as “responsabilidades contratuais”, ou seja, terá de pagar uma compensação à Christie’s. Foi desta forma que a secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, respondeu no Parlamento aos deputados da oposição, que há muito tempo exigem a consulta deste documento.

Foi a primeira vez que Isabel Castelo Branco falou sobre a venda da colecção que passou para as mãos do Estado aquando da nacionalização do BPN. Apesar de a decisão de venda ter sido anunciada pela sua secretaria em 2012, quando Maria Luís Albuquerque estava ainda no cargo, o discurso de Isabel Castelo Branco não se afastou em nada daquele que tanto o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, como o presidente da Parvalorem, Francisco Nogueira Leite, têm defendido. Na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública sobre o processo de venda das 85 obras de Joan Miró, Isabel Castelo Branco rejeitou quaisquer ilegalidades no caso, desvalorizando o processo que ainda corre no tribunal e a ameaça do Tribunal de Contas (TC).

Quando confrontada pelos deputados da oposição sobre o “secretismo” em volta do contrato celebrado com a leiloeira, a secretária de Estado defendeu-se com uma cláusula de confidencialidade, já alegada pelo presidente da Parvalorem.

“Questionámos a Christie’s, que entendeu que não autorizava”, disse Isabel Castelo Branco, explicando que, “se se divulgar publicamente o contrato, pode haver lugar ao pagamento de uma indemnização”.

A resposta não contentou os deputados de PS, PCP e Bloco de Esquerda, e Miguel Tiago, deputado do PCP, lembrou à secretária de Estado do Tesouro que os deputados da Assembleia têm direito, por lei, a acederem a documentos como este. “O Governo não pode assinar uma cláusula que impede a sua função para com a Assembleia da República”, disse o deputado comunista, defendendo que, “com ou sem autorização da Christie’s”, o “escrutínio democrático” tem de ser feito. “Temos o dever de saber o que o Governo anda a fazer e o que está a acontecer é que o Governo está a blindar esse trabalho”, continuou.

No entanto, Isabel Castelo Branco afastou-se das críticas afirmando que “o Governo não assinou nenhum contrato”. “O Governo e a República portuguesa tutelam as empresas [a Parvalorem e a Parups, proprietárias das obras], mas não são parte nesses contratos”, disse a secretária de Estado, explicando que, apesar de estas empresas serem públicas, são regidas pelo direito privado, ou seja, “têm liberdade contratual”.

“Que a Christie’s queira cláusulas de confidencialidade é natural, mas as vontades da Christie’s não se podem sobrepor à lei portuguesa”, reagiu aos jornalistas a deputada socialista Inês de Medeiros, no fim da audição da secretária de Estado do Tesouro, lembrando que a Parvalorem e a Parups são empresas públicas. “Há esta confusão sistemática, porque então, se é assim, o Estado deixa de poder controlar a Refer ou a RTP, isto abre um precedente gravíssimo”, continuou Medeiros, que considera que as empresas, por muito que se rejam pelo direito privado, não podem esconder documentos tão importantes para a compreensão do caso como o contrato.

Já Gabriela Canavilhas lembrou na comissão, e depois aos jornalistas, que o contrato é considerado público e, portanto, tem de ser escrutinado. “Só o facto da obrigatoriedade de o Tribunal de Contas intervir significa que há aqui uma perspectiva errada por parte de quem gere este processo”, disse a deputada a socialista à saída, acreditando que em breve o documento chegue às mãos do TC.

Como o PÚBLICO avançou esta terça-feira, o contrato celebrado com a leiloeira não passou pelo Tribunal de Contas, quando “a Parvalorem é uma entidade sujeita à jurisdição e controlo do TC, incluindo a fiscalização prévia nos termos que a lei prevê”. O caso está agora a ser analisado pelo TC e, caso se venha a verificar que a Parvalorem o deveria ter feito, “e não tendo sido submetido [o contrato para fiscalização prévia], o mesmo é ineficaz e há lugar a responsabilidade financeira”, revelou fonte oficial do TC ao PÚBLICO.

Confrontada com a posição do Tribunal de Contas neste processo, Isabel Castelo Branco limitou-se a dizer que, se o tribunal quiser o acesso ao contrato, “poderá fazê-lo, no âmbito das suas competências”. “De qualquer modo, o contrato não envolve qualquer despesa para a Parvalorem, mas sim receita”, continuou, repetindo o argumento de Francisco Nogueira Leite. “O contrato que está em causa pressupõe a obtenção de receita e não envolve custos para a Parvalorem”, explicou, acrescentando que “as comissões são pagas pelos compradores e todos os outros custos estão assumidos pela Christie’s”.

Para Inês de Medeiros, este é um “argumento que não existe”. “É chocante ver o Estado português alinhar nestes malabarismos financeiros de forma subserviente”, defendeu a deputada, que exige a clarificação do processo.

Apesar de todas as críticas e perguntas ao longo de pouco mais de uma hora, Isabel Castelo Branco deixou bem claro que acredita que o leilão marcado para Junho vai correr bem. “Estamos perfeitamente confiantes em todo o processo”, disse a secretária de Estado do Tesouro, que concluiu dizendo não ter “nenhuma razão para estar a alterar as decisões que estão tomadas ou para dar orientações diferentes”.

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