A tragédia grega do ex-presidiário endividado

Da Grécia, o concurso de Berlim recebe um dos seus títulos mais vitais: Stratos , um "film noir mediterrânico" que não deixa ninguém indiferente.

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O realizador Yannis Economides

A competição de Berlim anda demasiado calminha, sem um daqueles filmes que "partem a louça" – OK, já sabemos que a unanimidade é impossível, e que geralmente os críticos andam todos de candeias às avessas.

Basta ver que o filme de Alain Resnais Aimer, Boire et Chanter foi, no geral, zurzido sem dó nem piedade pelos alemães e adorado pelos estrangeiros, e que uma das melhores fitas a concurso, Historia del Miedo, do argentino Benjamín Naishtat, não parece ter agradado a ninguém.

Talvez por isso a chegada de Stratos (Competição) seja tão inesperada: o quarto filme do grego Yannis Economides é daqueles que não admitem meio-termo (e desconfiamos que vai ser muito odiado). E é também a primeira vez que encontramos um meio-termo entre a "nova vaga" grega (de filmes como Canino ou Attenberg) e a narração cinematográfica mais tradicional. Stratos é, na opinião do seu realizador, um "film noir mediterrâneo", mas vai mais longe do que isso. É uma tragédia grega, fatalista e inexorável, mas também um policial desacelerado quase até à inércia. É formalista e geométrico como Yorgos Lanthimos ou Babis Makridis, e faz a ligação entre os códigos de honra dos velhos polars franceses (com São Jean-Pierre Melville à cabeça) e o absurdo beckettiano dos novos gregos. Fá-lo, já agora, de modo enfurecedor e até insuportável.

Explicando melhor: a quantidade de abandonos durante a primeira projecção de imprensa bateu até o recorde de Resnais, e até se percebe – Economides é tudo menos económico e leva duas horas e 15 a contar uma história que os filmes B de Hollywood despachavam em menos de hora e meia. História essa que, na prática, também não é original: um ex-condenado vê-se entre a espada e a parede, entre a lealdade ao homem que lhe salvou a vida na prisão e a necessidade de pagar a sua dívida a uma sociedade onde não existem diferenças entre os criminosos e os cumpridores da lei.

Mas essa desaceleração formalista e estilizada, levada ao limite, é o que sublinha a vocação alegórica, metafórica, do filme. Conceda-se que a metáfora é pesadona – Stratos representa a Grécia moderna, endividada até à medula e sem a mínima esperança de fugir ao jugo dos credores. O que Economides faz é encontrar a forma ideal para a narrar, tornando Stratos numa espécie de herói Melvilliano panhonha sob uma espada de Dâmocles que vai cair a qualquer minuto e que ele apenas pode ir adiando. Ver este filme é tão angustiante como insuportável, tão entusiasmante como cansativo – como assistir a um desastre fatal de automóvel em câmara lenta sem conseguir despregar os olhos.

Dizer que se gosta da austeridade formalista de Stratos é capaz de ir demasiado longe, e este é um objecto que as suas idiossincrasias e a sua recusa do facilitismo condenam a viver apenas no circuito de festivais. Mas é mais vital e interessante, mais sintonizado com os dias que vivemos, do que, por exemplo, a banalidade patuda e maçadora de Two Men in Town (Competição), remake de um velho filme de José Giovanni com Alain Delon que Rachid Bouchareb foi rodar aos Estados Unidos com Forest Whitaker no papel principal. E que é o exemplo perfeito de um cinema que não é capaz de convocar o desespero e o negrume existenciais do film noir, ficando-se apenas pelo deslumbre (muito francês) de rodar nos EUA. Antes as duas horas e 15, intermináveis mas catárticas, de Stratos.
 

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