Um terço dos jovens que cometem delitos com menos de 16 anos reincide

Os que reincidem já depois de cumprida uma medida tutelar educativa são também os jovens que desenvolveram percursos com delitos mais graves, violentos e frequentes.

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Ofensas contra a integridade física e roubos são os delitos mais comuns nFactos/Fernando Veludo

No perfil de jovens entre os 12 e os 16 anos que têm uma ligação ao sistema de justiça, os reincidentes são aqueles que iniciaram o seu percurso de delinquência mais cedo, em média, pelos 13 anos. Os que reincidem já depois de cumprida uma medida tutelar educativa, que pode ser de internamento ou através de tarefas a favor da comunidade, são também os jovens que desenvolveram percursos com delitos mais graves, violentos e frequentes. Porém, os reincidentes são também uma minoria representando apenas um terço dos casos de delinquência juvenil. 

As primeiras conclusões do Projecto Reincidências – Avaliação da Reincidência dos Jovens Ofensores e Prevenção da Delinquência, promovido pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e realizado entre Janeiro de 2013 e Janeiro de 2016, serão apresentadas no Seminário Internacional Delinquência juvenil: processos de desistência, identidade e laço social, que se realiza esta quinta e sexta-feira no ISCTE, em Lisboa.

O encontro reúne investigadores reconhecidos na área da delinquência dos jovens e desistência desses percursos, como o criminólogo David Farrington, professor da Universidade de Cambridge no Reino Unido, um dos especialistas que fazem a supervisão científica do projecto.

A amostra do projecto abrange 1403 jovens de várias zonas de Portugal que, em 2014, estavam ligados ao sistema de justiça – pela primeira vez ou não. O estudo revela ainda que a maioria dos jovens não reincide: os que voltam a cometer delitos representam um terço (33,2%) do conjunto da amostra. Destes 465 jovens, uma minoria (109) volta à delinquência já depois de cumprida a medida tutelar educativa.

A medida pode ser de internamento em centro educativo ou de execução na comunidade, através do cumprimento de tarefas a favor da comunidade ou da imposição de obrigações (frequentar a escola ou ser acompanhado por um psicólogo, por exemplo) – de acordo com a Lei Tutelar Educativa que abrange os jovens entre os 12 e os 16 anos que cometem ilícitos que seriam qualificados como crime se tivessem mais do que os 16 anos.

Os que reincidiram já depois de cumprida uma medida tutelar educativa cometeram o seu primeiro delito aos 13 anos, em média, e os que voltaram a cometer um delito antes de qualquer passagem pelo sistema de justiça tinham entre 13 e 14 anos (em média) quando iniciaram este percurso. O estudo mostra ainda que os jovens que iniciaram um percurso delinquente mas não persistiram depois de lhes ser aplicada uma medida tutelar educativa ou os que cometeram um delito de forma pontual estavam já muito perto dos 14 anos.  

Os resultados provisórios, que ainda serão objecto de mais análises e publicados em 2016, “não surpreendem”, admite Fátima Coelho, coordenadora do projecto. "Vieram revelar aquilo que já era conhecido noutros países”, acrescenta ao PÚBLICO. Ao contrário da ideia dominante de que "os comportamentos delinquentes dos jovens são muito graves, existe um grande grupo de jovens que apenas cometeu um delito ou que tem uma delinquência que parece ser passageira ou pontual e um número muito reduzido de jovens com indícios de práticas delinquentes persistentes e graves”, sustenta a doutorada na área da delinquência juvenil pela Universidade Católica.

Além disso, diz Fátima Coelho, o estudo é “inovador” em Portugal, por o primeiro a incidir numa amostra com uma tal amplitude e pelo tipo de tratamento de dados e avaliação da reincidência [que nele são feitos]”. Os 1403 jovens da amostra estiveram envolvidos em 2622 situações delituosas, sendo as mais frequentes as ofensas contra a integridade física (774 casos) e roubos (468 casos). A investigação incide sobre uma amostra de 1114 rapazes e 289 raparigas, com uma idade média de 14,7 anos.

Os resultados sobre a reincidência não permitem tirar conclusões definitivas, ressalva a investigadora, uma vez que “não é possível avaliar o desenvolvimento do percurso” daqueles jovens que tiveram contacto pela primeira vez com o sistema de justiça. A repetição de estudos sobre estes jovens é que vai permitir avaliar a reincidência e a sua probabilidade. Mas tendo eles esse primeiro contacto numa “idade tardia” – mais de 15 anos em média – há motivos para acreditar que "a probabilidade de desenvolverem trajectórias delinquentes é menor", explica Fátima Coelho sobre o projecto que coordena.

“Este estudo coloca a questão da importância da reparação entre ofensores e vítimas e de saber se [tal] não seria suficiente: se [a reparação] não teria uma função preventiva nos casos de delinquência pontual e de baixa gravidade”, conclui Fátima Coelho. “Por outro lado, chama a atenção para o facto de ser sobre esse núcleo duro de delinquentes mais graves e mais persistentes que se deve centrar a intervenção do sistema de justiça.”

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