(In)Certezas

Essa clarificação ideológica por muito positiva que seja não basta enquanto projecto para o país. Este continua a faltar em Portugal.

Orçamento do Estado para 2016 foi aprovado na generalidade e tudo indica que será aprovado em votação final global a 16 de Março. É de prever que a versão das contas públicas agora aprovada venha a ser rectificada ao longo do ano, tal como tem acontecido com os orçamentos do Estado dos últimos anos. É também de prever que o Governo português venha a ajustar os seus objectivos de acordo com as correcções que tiver de introduzir ao OE2016 de acordo com as exigências europeias que lhe venham a ser feitas até ao Verão. Já em Abril estará em causa a manutenção de Portugal acima de lixo pela agência de rating canadiana DBRS, a apresentação do plano B à Comissão Europeia, a divulgação do défice oficial de 2015 e a apresentação do plano de cumprimento do Pacto de Estabilidade. E em Maio Portugal receberá a avaliação do Semestre Europeu (PÚBLICO 24/02/2016).

Este é o calendário das provas de esforço a que estará submetido o Governo, que, apesar de bramir publicamente a convicção do sucesso, dele não tem nem pode ter a certeza. Com a confiança que caracteriza o primeiro-ministro, António Costa, uma promessa é garantida como certa, a de que os impostos directos não serão aumentados — ou seja, os trabalhadores não serão tributados sobre o rendimento do seu trabalho, sob a forma de salário ou de pensões de reforma. Uma promessa de esquerda com explícitos contornos ideológicos, feita com frontalidade, o que é positivo pela clareza que traz à vida política.

Essa clarificação ideológica por muito positiva que seja não basta enquanto projecto para o país. Este continua a faltar em Portugal. Aliás, desde Cavaco Silva à direita e de António Guterres à esquerda não há um projecto nacional, o qual, é evidente, tem de ser coordenado com o projecto europeu. É verdade que António Costa tem dado sinais de que a sua estratégia de poder passa pela ambição de contribuir para a mudança da orientação política da União Europeia. Mas até agora esta vontade não tem ido além da manifestação de boas intenções e não parece ter tido qualquer eco junto dos responsáveis comunitários.

Mesmo a sua mudança de orientação na política fiscal, com a diminuição de impostos sobre o trabalho, não parece ter sido bem acolhida em Bruxelas. Foi tolerada pelas instâncias europeias. Mas a verdade é que a União Europeia não tinha condições reais para chumbar o OE2016 português. É natural que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, tenha tomado a defesa da estabilidade política em Portugal. Por mais que não encontre soluções para ele, o que é facto é que a União Europeia tem de lidar com o drama dos refugiados do Médio Oriente. Isto, para além de ter já o "problema antigo" da gestão da crise grega. Para quê criar mais instabilidade e mais crise, quando não há soluções milagrosas para a situação portuguesa e quando, nos últimos cinco anos, Portugal tem deslizado nos prazos e nos objectivos orçamentais, por muito que se tenha comportado como bom aluno e cumprido — mais ou menos — as obrigações a que se comprometeu na intervenção a que esteve sujeito durante três anos?

Resta a Portugal viver na incerteza quanto ao que irá ser cumprido no OE2016. Uma incerteza que se projecta também sobre a expectativa de durabilidade do Governo. Uma expectativa que se prolonga sobre interrogações como a de saber até quando o BE e o PCP se manterão coesos no apoio ao Governo. Não irá António Costa beneficiar do medo que os outros partidos têm de que se houver eleições antecipadas o PS possa agora ganhar nas urnas e até aproximar-se ou atingir a maioria absoluta? Irá o Governo sobreviver até 2019? Ou vai cair já no próximo Outono por causa do OE2017? Como irá o PCP recuperar da tareia eleitoral nas presidenciais e preparar-se para as autárquicas de Outubro de 2017, mantendo o apoio ao Governo do PS contra quem irá disputar eleitorado nos municípios onde tem influência?

Para o clima de incerteza sobre o futuro político do país conta também e muito a crise que assola a direita, cujos partidos estão à procura de uma estratégia e de um discurso. O CDS, ao substituir Paulo Portas por Assunção Cristas, ensaia claramente um novo caminho de demarcação própria e de reconstrução de espaço político e eleitoral. O PSD de Passos Coelho aparece publicamente como um partido confundido com o seu papel agora na oposição.

É surpreendente ver Passos Coelho, o intrépido defensor da austeridade castigadora dos portugueses "piegas", a assumir-se de novo como defensor da "social-democracia, sempre!" Como se Passos Coelho renegasse a sua própria obra no Governo e voltasse a defender os princípios políticos e ideológicos que defendeu no passado, antes de se ter cruzado com Vasco Rato e, sobretudo, com António Borges. É que a campanha que o líder do PSD escolheu fazer para a sua reeleição partidária mais parece uma espécie de confissão de que afinal não acredita naquilo que andou a fazer no Governo.

 

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