Nem as acusações pessoais animaram o debate em que todos aprovaram Costa

Marcelo avisou a direita de que estas eleições não serão “a segunda volta das legislativas”. Marisa criticou o elogio dos independentes e Sampaio da Nóvoa explicou a sua licenciatura.

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Ao debate na RTP só faltou Maria de Belém Miguel Manso

Cândido Ferreira foi o detonador do momento que prometia aquecer o debate desta terça-feira à noite na RTP1 entre os candidatos presidenciais – à excepção de Maria de Belém, que não compareceu devido à morte de Almeida Santos. Mas nem aí houve mais do que alguns arrufos.

No essencial, quase todos os candidatos acabaram por dar o benefício da dúvida ao actual Executivo e, sob o pretexto da estabilidade governabilidade, concordar com as políticas adoptadas por António Costa e até dar-lhe já como garantida a aprovação de futuros orçamentos do Estado (OE). A reversão do horário de trabalho para as 35 horas na função pública foi apoiada por todos.

O mais taxativo foi Marcelo Rebelo de Sousa, que elogiou o compromisso do défice nos 3% e de as medidas sociais não fazerem derrapar os limites orçamentais. “É neste quadro que o próximo Presidente deve fazer os possíveis e impossíveis para viabilizar o OE”, disse, acrescentando que para a saída da crise é “essencial” essa aprovação. Paulo Morais admitiu que Costa tem cumprido as promessas eleitorais mas aguarda pelo OE2016 para ver se reduz as parcerias público-privadas e avisa que o vetaria até mesmo se não garantisse a gratuitidade dos manuais escolares no primeiro ciclo.

Edgar Silva, apoiado pelo PCP, afirmou-se independente das decisões do Comité Central (a que pertence) e disse empenhar-se “em tudo o que seja necessário” para que os compromissos à esquerda sejam cumpridos pelo PS por serem “fundamentais para saldar a dívida social”.

Marisa Matias explicou que vetaria o orçamento rectificativo do Banif porque a solução deveria ser a integração na Caixa Geral de Depósitos e debatida no Parlamento, mas deixou claro que, se os orçamentos cumprirem o acordo entre o PS e o resto da esquerda, teriam o seu carimbo. Já Cândido Ferreira, antigo dirigente do PS, prometeu “vigilância a qualquer derrapagem”, mas enalteceu a “afinidade de esquerda” com Costa, a quem trata “por tu”.

Questionado sobre onde estará politicamente (depois de já ter dito que está na esquerda da direita), Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que o Presidente não deve ser contra-poder, antes ser uma magistratura “arbitral”, um factor de “coesão social, consensos de regime e de estabilização política”. Mais: “É bom para o país que um Governo possa chegar ao fim da legislatura” e o Presidente “deve ser um factor adjuvante do sucesso do Governo e da sua estabilidade”. Para a direita deixou o aviso: esta eleição “não é uma segunda volta das legislativas e não deve haver revanchismo”.

Sobre a reversão para as 35 horas na função pública, com que todos concordaram, Vitorino Silva defendeu que esse horário devia ser extensível ao privado. Mais do que as horas de trabalho, Jorge Sequeira valoriza os objectivos que se atingem no trabalho e na política, daí que o Presidente da República deva ser um “auditor da governação e afável provedor do cidadão”.

Sampaio da Nóvoa não resistiu a criticar a “mudança sistemática de opiniões” de Marcelo, enquanto Henrique Neto seguiu a mesma linha e defendeu ser o único a ter um pensamento estratégico para o país. O ex-empresário aproveitou para criticar a falta de propostas taxativas dos outros candidatos e realçou que “a mentira faz-se por acção e por omissão”.

Sampaio da Nóvoa disse não se sentir candidato do PS e Marisa Matias foi muito crítica com os opositores, afirmando que todos têm ligações aos partidos, mas “isso não significa ser bom ou mau Presidente da República”, já que ainda assim podem ser todos “independentes”.

A bloquista defendeu que os candidatos “têm obrigação de mostrar” quais as suas convicções, criticou Paulo Morais por chamar corruptos a todos os políticos, bem como os deputados e trouxe para a mesa a decisão do Tribunal Constitucional de reverter a suspensão das subvenções vitalícias: “Envergonhei-me da decisão, dos deputados que a pediram e estranhei que nenhum dos outros candidatos comentasse o assunto”. Mas foi desmentida por Edgar Silva e Henrique Neto, e Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou a oportunidade para criticar: “É muito difícil aceitar a decisão do Tribunal Constitucional do ponto de vista da justiça social” num momento em que “há muitos portugueses que ainda estão com os rendimentos cortados”.     

Edgar Silva lembrou que também assumiu publicamente a opinião contrária ao regime da subvenção vitalícia, como fez o PCP. E Cândido Ferreira considerou ser “impossível os portugueses entenderem uma decisão destas. Mas o mais assertivo foi Marcelo Rebelo de Sousa, que afirmou ser “muito difícil aceitar a decisão do Tribunal Constitucional do ponto de vista da justiça social” num momento em que “há muitos portugueses que ainda estão com os rendimentos cortados”.

As acusações de Cândido
Ao pegar na palavra, Cândido Ferreira começou a disparar contra alguns dos adversários. Começou por Paulo Morais, acusando-o de ser “o único candidato que está em falta” em relação às obrigatórias declarações de património a apresentar ao Tribunal Constitucional. “Não pode dizer que o TC o devia ter avisado, o TC devia era tê-lo multado”, atirou.

A Marcelo apontou a falta de cumprimento do serviço militar e a Sampaio da Nóvoa repetiu as suspeitas quanto às licenciaturas em Teatro, quando, insistiu, “os cursos de Teatro não conferiam” esse grau.

“A calúnia é sempre a arma do disparate”, ripostou Nóvoa, aconselhando o adversário a ir consultar os seus currículos. “Não há ninguém que tenha sido mais escrutinado no seu percurso académico do que eu, e sempre em provas públicas”, acrescentou. Mas só quando foi questionado pelos jornalistas é que repondeu: “Toda a gente sabe que a minha área de formação de base é em Ciências da Educação”.

Paulo Morais optou por responder a Cândido Ferreira apenas com meia verdade: disse que tinha havido um lapso do PÚBLICO ao dizer que tinha falhado um dia na entrega da declaração quando iniciou funções na Câmara do Porto, mas omitiu que demorou 10 anos a entregar a declaração depois de cessar funções, tendo-o feito já depois de ter apresentado publicamente a sua candidatura presidencial.

Já Marcelo justificou o não cumprimento do serviço militar com o adiamento a que teve direito por estar a prestar provas de pós-graduação na altura do recrutamento. “Faria com muita honra o serviço militar pelo meu país, não tivesse havido entretanto o 25 de Abril”.

Cartazes, corrupção, solidariedade e liberdade
A polémica em torno dos cartazes de Marisa Matias também foi abordada no debate. Jorge Sequeira reconheceu que se excedeu quando aludiu ao slogan da candidata do Bloco, referindo-o como “uma para todos” em vez de “uma por todos”. O candidato frisou que já tinha pedido desculpa, mas que não se ia “penitenciar a vida toda” por isso, nem pôr “uma corda ao pescoço”. Sobretudo, argumentou, quando há políticos que passaram anos “a errar” e que “nunca pediram desculpa”.

A corrupção foi outros dos temas sobre o qual os candidatos puderam expressar as suas ideias. Para Jorge Sequeira, por exemplo, “mais do que corrupção, há incompetência” em Portugal. Se não fosse isso, continuou, o país estaria em “rankings bem superiores”. Mais à frente, insistiu em algo que já tem repetido: que “os cidadãos deviam ser tratados como clientes”.

Edgar Silva, por exemplo, defende o fim do sigilo bancário, o combate à fuga e evasão fiscais, ao crime económico. Paulo Morais, e sendo o seu tema de eleição, lembrou que qualquer cidadão deve seguir-lhe o exemplo nisto: denunciar situações que levantem dúvidas ao Ministério Público. Henrique Neto sublinhou que o Presidente da República pode ter um papel “determinante” no combate à corrupção e lamentou que, até agora, em Portugal tal não tenha acontecido: “Todos os Presidentes da República olharam para o lado.”

Já Vitorino Silva – o único que não se apresentou de gravata no debate, como reparou o jornalista Carlos Daniel – contou histórias da sua família que teve de emigrar, defendeu os emigrantes e disse que quer ser Presidente de todos os portugueses – estejam em Bruxelas ou em Rans (o candidato é conhecido como Tino de Rans). Sobre o tema em questão, garantiu: “Comigo, o povo vai deixar de ser roubado e enganado.”

Já sobre outro assunto, quando confrontado com o cenário de greve na função pública caso o Governo não antecipe a entrada em vigor das 35 horas, e mesmo considerando que um candidato a Presidente não se deve pronunciar, Edgar Silva considerou que a greve “é um direito legítimo”.

Mais perto do final, e quanto ao facto de o ex-Presidente da República Ramalho Eanes ter comparado Sampaio da Nóvoa ao actual Chefe de Estado, o antigo reitor teve oportunidade de dizer: “Julgo que tudo o que tenho dito é o oposto dos dez anos de Cavaco Silva na Presidência.” E, acrescentou: quem se assume como “continuidade” de Cavaco é Marcelo.

Cândido Ferreira aproveitou, também já na recta final, para acusar os seus adversários de falta de solidariedade: “Há aqui candidatos que enchem a boca de igualdade, que somos todos soldados rasos, mas esses candidatos não fizeram o óbvio, solidarizarem-se comigo”, disse, referindo-se ao facto de ter sido “liminarmente impedido de debater em pé de igualdade com os outros candidatos” nos anteriores debates.

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