A insustentável leveza de António Costa

A forma como o primeiro-ministro foi gerindo os percalços da nova administração da CGD – deixando à rédea solta o seu ministro das Finanças e a já proverbial inabilidade que demonstrou em vários episódios – ameaça pôr em causa a imagem do Governo.

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Daniel Rocha

No momento em que escrevo, o suspense que paira sobre a novela da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não tem ainda o seu desfecho anunciado. Mas o pedregulho que o Governo tem no sapato já não lhe permite enfiar o pé sem deixar uma fractura exposta. Assim, um caso que deveria ser claramente secundário face à importância dos desafios que se colocam a António Costa e à sua equipa acabou por afectar seriamente a credibilidade política e ética do executivo.

A insustentável leveza com que o primeiro-ministro foi gerindo os percalços da nomeação da nova administração da CGD – deixando à rédea solta o seu ministro das Finanças e a já proverbial inabilidade que demonstrou em vários episódios – ameaça pôr em causa a imagem e a coerência de procedimentos que se esperaria de um Governo apostado em devolver esperança e justiça aos portugueses depois dos funestos tempos da troika.

Foi assim que chegámos ao insanável choque de posições entre António Domingues, novo presidente todo-poderoso da Caixa, e o próprio Partido Socialista, através do seu líder parlamentar, Carlos César, para não falar já do PCP e do Bloco, além da oposição de direita. Domingues reiterou o propósito de não entregar a sua declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional (TC), apoiando-se num decreto feito à medida pelo actual Governo que retira a administração da Caixa do quadro legal e salarial dos gestores públicos (embora, evidência das evidências, a CGD seja um banco exclusivamente público…).

Além disso, a recusa de Domingues entra em choque com uma lei datada de 1983, que obriga os gestores públicos a fazer tal declaração. Ora, perante esta embrulhada de que também é responsável, Costa vem finalmente abrigar-se da chuva com uma declaração salomónica: "Essa é uma questão a que a CGD saberá responder e que o TC saberá apreciar". Tudo isto em nome da sacrossanta "separação de poderes" que Costa terá tardiamente descoberto…

Temos, pois, o Governo isolado pela primeira vez, à esquerda e à direita, depois de um processo tortuoso e marcado por um inexplicável amadorismo, com o Ministério das Finanças crescentemente refém das exigências e regalias reivindicadas por António Domingues. O banqueiro passou assim da vice-presidência do BPI – onde não consta que tenha brilhado por uma genialidade ímpar, a não ser aos olhos de Mário Centeno… – para um estatuto régio que lhe permitiu, numa audição parlamentar, escusar-se a uma auditoria pretendida pelo Governo à anterior gestão da CGD. Aliás, durante esse processo fora notório o clientelismo selectivo de Domingues na escolha dos numerosos administradores não executivos, bem típico do Bloco Central, e que se expôs a uma humilhante reprovação do BCE devido à acumulação de cargos desses administradores noutras instituições ou à sua duvidosa competência bancária.

Que acontecerá agora? Ou Domingues renuncia ao cargo, ou o Governo corre o risco de ser desautorizado no Parlamento – e a história terá de voltar ao início, com todas as consequências desastrosas para a recuperação do banco público já mergulhado num pesadelo financeiro que os portugueses serão chamados a pagar por um preço ainda mais estratosférico do que aquele já anunciado. E que custará, por acréscimo, uma perda grave do capital de confiança e respeitabilidade do Governo.

PS – Aproveito para agradecer as mensagens de congratulação de muitos leitores pelo meu regresso ao PÚBLICO. Mas gostava de destacar uma carta ao director de Maria João Seixas, com palavras que me tocaram fundo no coração. A verdadeira amizade não tem preço, querida Maria João.

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