Como a Shein ultrapassou a Zara e a H&M e criou a fast fashion 2.0

De Novembro de 2022 a Novembro de 2023, a Zara e a H&M trouxeram, respectivamente, 40 mil e 23 mil novos artigos para o mercado dos EUA. No mesmo período, a Shein introduziu 1,5 milhões.

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A pop-up da Shein em Times Square, Nova Iorque Reuters/DAVID DEE DELGADO

Com a Inditex, proprietária da Zara, e a sueca H&M prestes a divulgarem os resultados de vendas mais recentes, os investidores vão concentrar-se numa questão importante: como é que as duas pioneiras da fast fashion estão a reagir ao sucesso da actual líder de mercado, a Shein?

A Shein apresenta uma enorme valorização e está preparada para entrar na bolsa de valores. Com vendas quase inteiramente online, a gigante retalhista terá gerado cerca de 23 mil milhões de dólares (21 mil milhões de euros) em receitas globais no ano passado, de acordo com a empresa de investigação Coresight.

A marca chinesa foi mesmo responsável por quase um quinto do mercado global de fast fashion em 2022, ultrapassando a Zara e a H&M. Os preços baixos da Shein — T-shirts a três euros e camisolas a menos de dez — também atraem compradores que, de outra forma, poderiam ter comprado noutras marcas concorrentes. “A verdadeira força da Shein é reconhecer que não faz ideia o que os clientes querem vestir”, observa Rui Ma, analista e fundador da newsletter Tech Buzz China. “O que lhes dá confiança é a capacidade de aumentar a produção muito rapidamente”.

Para a Inditex, que divulga os resultados nesta quarta-feira, e a H&M, que apresenta as vendas trimestrais na sexta-feira, a plataforma chinesa surgiu como uma grande ameaça no mercado de vestuário e acessórios baratos.

A 6 de Dezembro, Adam Cochrane, analista do Deutsche Bank, baixou a classificação de “venda” da Inditex e da H&M, justificando a decisão com desafios como a deflação dos preços do vestuário, a pressão da Shein e do seu concorrente em rápido crescimento, a Temu, propriedade da PDD.

A H&M não quis comentar a quota de mercado da Shein e a Zara não respondeu imediatamente ao pedido de comentário por parte da Reuters.

É certo que a Shein tem algumas características em comum com a Zara e a H&M, a quem se atribui frequentemente o conceito de replicar os looks das passerelles das grandes semanas da moda e levá-los aos compradores por menos dinheiro, um termo também conhecido como fast fashion. Os três retalhistas foram alvo de críticas por alegadamente roubarem modelos de outras marcas, mas alguns críticos afirmam que o ciclo de produção super-rápido da Shein a torna especialmente preocupante.

Em Julho, uma acção judicial por violação da propriedade intelectual acusou a Shein de alegadamente utilizar inteligência artificial e um algoritmo próprio para procurar ideias de design na Internet, o que por vezes resulta em plágio directo.

Mas, de acordo com analistas e investidores, a principal estratégia da Shein consiste em recorrer a uma rede de fornecedores (muitas vezes desconhecidos) sediados maioritariamente na China, que contrariam as tendências tradicionais de fabrico, aceitando pequenas encomendas iniciais e aumentando a escala com base na procura.

Esta cadeia de fornecimento ultra flexível permitiu à Shein criar um modelo de negócio fundamentalmente diferente dos operadores de fast fashion estabelecidos, como a Zara e a H&M, que foram pioneiros em prazos de produção mais curtos, mas que ainda dependem em grande medida da capacidade de prever os estilos que vão estar em voga.

“Na maior parte dos casos, a Zara ou a H&M ainda estão a antecipar as tendências da moda, a pré-encomendar esse produto entre três a 12 meses antes da venda e a comprometer-se com volumes de encomendas bastante grandes”, explica Simon Irwin, um antigo analista do Credit Suisse que investigou as estratégias de preços da Shein.

Mais de um milhão de novos produtos

Um estudo de 2022 revelou que a Shein recebe normalmente encomendas e num prazo de cinco a sete dias envia os produtos directamente aos consumidores através de correio aéreo, que pode levar até duas semanas, consoante a localização do comprador. No entanto, o modelo directo dá à Shein uma vantagem sobre os retalhistas tradicionais, que têm de distribuir vestuário através de uma rede global de lojas e manter esses locais abastecidos, nota por sua vez Sheng Lu, professor de estudos de moda e vestuário na Universidade de Delaware, EUA.

Patricia Cifuentes, analista sénior da divisão de valores mobiliários da Bestinver, que detém acções da Inditex, afirma que a rapidez de entrega é uma vantagem crucial para a Zara em comparação com a H&M e mesmo com a Shein. “Quanto mais cedo o cliente receber a peça de vestuário, menor será a probabilidade de a devolver. Por isso, a Inditex quer ser a mais rápida a enviar o produto, mas também, se o liente não gostar dele, quer colocá-lo de volta no sistema o mais rapidamente possível para maximizar as hipóteses de o vender ao preço total.”

De Novembro de 2022 a Novembro de 2023, a Zara e a H&M trouxeram, respectivamente, 40 mil e 23 mil novos artigos para o mercado dos EUA, avança Sheng Lu. Os dados analisam as “unidades de manutenção de estoque” ou as referências de cada retalhista, usadas para identificar produtos individuais, incluindo tamanhos diferentes da mesma peça de roupa.

A Shein introduziu 1,5 milhões de produtos durante o mesmo período — 37 vezes mais do que a Zara e 65 vezes mais do que a H&M.

E embora ambas as empresas ainda trabalhem com fornecedores na China, a Inditex e a H&M têm grandes bases de produção noutros países. Em 2022, 98% da produção da Inditex estava sediada em 12 países, incluindo Portugal, Marrocos, Turquia e Espanha, onde a empresa tem a sua sede. A H&M considera o Bangladeche, juntamente com a China, como o seu maior mercado de produção de vestuário, afirmou um porta-voz.

A Shein recusou-se a esclarecer a sua rede de fornecedores, mas os registos de importação recentes mostram que praticamente todos os seus produtos importados para os EUA provêm da China.

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