No caminho errado: só vamos reduzir 2% das emissões até 2030 (em vez dos 43% necessários)

Relatório das Nações Unidas analisa os compromissos dos países que assinaram o Acordo de Paris para limitar o aquecimento global — e mostra que estamos muito aquém do necessário.

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Incêndios florestais gigantescos no Canadá foram um dos acontecimentos marcantes deste ano de temperaturas excepcionais Jesse Winter/REUTERS
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Multiplicam-se as vozes a dizer-nos que estamos a entrar numa urgência por causa das alterações climáticas, mas o mundo vai arrastando os pés, lentamente, no que é preciso fazer, que é reduzir, e muito, as emissões de gases com efeito de estufa. Se forem cumpridos, os planos actuais dos países signatários do Acordo de Paris levarão a uma redução de 2% das emissões até 2030, relativamente aos valores de 2019. Mas o que os cientistas nos dizem é que era preciso reduzi-las em 43% até 2030.

Estes valores são apresentados no relatório divulgado nesta terça-feira pela Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas sobre as medidas que 168 dos 195 países que assinaram o Acordo de Paris se comprometem a tomar para o cumprir, reduzindo as suas emissões. O objectivo do acordo é limitar o aquecimento global, provocado pelas emissões de gases com efeito de estufa, a 1,5 graus Celsius, no máximo dois, acima dos valores médios da temperatura da Terra antes da Revolução Industrial.

Para que isso aconteça, as emissões de gases com efeito de estufa devem chegar ao ponto máximo antes de 2025 e diminuir 43% até 2030. Cada país signatário é livre de fazer o seu caminho para chegar lá, embora 2030 e 2050 sejam as duas datas que se têm como meta para atingir objectivos.

Tem havido más notícias. “Este relatório dá-nos mais provas de que o mundo continua completamente fora de rumo para limitar o aquecimento global a 1,5 graus”, declarou o secretário executivo da Convenção das Alterações Climáticas, Simon Stiell.

Desalinhados com a ciência

“A ambição global estagnou durante o último ano, e os planos climáticos nacionais estão tremendamente desalinhados com o que a ciência nos diz”, afirmou ainda Simon Stiell.

Traduzindo isto em quantidades de dióxido de carbono emitido para a atmosfera: se se levar em conta os compromissos apresentados (conhecidos pela sigla em inglês NDC, de Nationally Determined Contribution) até 25 de Setembro, em 2030 as emissões totais globais de gases com efeito de estufa (sem os números referentes às alterações do uso da terra e florestas) seriam de cerca de 51,6 gigatoneladas (Gt) de dióxido de carbono equivalente (CO2eq). Isto é 8,8% mais do que em 2010 e 2% abaixo do valor de 2019.

“Isto é uma melhoria apenas marginal, em relação à avaliação do ano passado, que concluía que os países estavam a caminho de aumentar as emissões em 10,6% até 2030”, em relação a 2010, frisa Simon Stiell.

Tudo isto anda bastante longe do corte de 43% das emissões que deveríamos conseguir até 2030 para que o aumento da temperatura média do planeta não ultrapassasse 1,5 graus – um valor a que chegamos pontualmente, em vários dias do Verão que passou, num ano que está a caminho de se tornar o mais quente de sempre, recorde-se –, como calcularam os cientistas que fazem parte do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).

“A realidade das alterações climáticas está a provocar o caos em muitas comunidades em todo o mundo – com cheias cada vez mais graves, incêndios e secas. Mas o abismo entre o que seria necessário e o que se faz é cada vez mais amplo”, disse ainda Simon Stiell. Progredir ao ritmo de passinhos de bebé, polegada a polegada, não é suficiente, sublinhou.

Para que as emissões de gases com efeito de estufa cheguem ao ponto máximo antes de 2030 e comecem a diminuir, os “elementos condicionais dos compromissos nacionais têm de ser postos em prática”, diz o relatório. Isso depende do acesso a mais recursos financeiros e mecanismos com base no mercado, transferência de tecnologia e cooperação técnica, bem como apoio à capacitação dos países.

“Temos de reconstruir a confiança no processo de Paris. O que significa cumprir os compromissos, em especial os financeiros, que são o factor chave para permitir a acção climática”, avisou Simon Stiell.

A Cimeira do Clima das Nações Unidas, que se inicia no Dubai no fim deste mês, é o momento para fazer este toque a reunir. “A COP28 deve ser um ponto de viragem histórico para que o objectivo de 1,5 graus continue a ser alcançável, sem deixar ninguém para trás”, afirmou Sultan Al Jaber, o presidente da COP28.

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