ONU: com o esforço actual, o planeta deverá aquecer 2,5 graus até 2100

As promessas climáticas actuais de cada país levariam a um cenário devastador da subida global da temperatura de 2,5 graus Celsius até ao fim do século, indica relatório das Nações Unidas.

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Leito parcialmente seco do rio Gan, em Nanchang, China Reuters/THOMAS PETER

Há uma boa e uma má notícia no novo relatório da agência das Nações Unidas para o clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Vamos começar pelo lado bom: os países que assinaram o Acordo de Paris estão a conseguir “dobrar” a curva perigosa de emissão de gases de efeito estufa.

O grande problema é que estes esforços continuam a ser insuficientes. Se combinarmos as promessas climáticas de cada uma das partes, estaremos expostos a uma “devastadora” subida global da temperatura de 2,5 graus Celsius até 2100. Em resumo: temos de ser mais ambiciosos e rápidos.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

“A tendência de queda nas emissões esperada até 2030 mostra que as nações fizeram algum progresso este ano. Mas a ciência é clara, assim como as metas climáticas previstas no Acordo de Paris”, refere Simon Stiell, secretário executivo da UNFCCC, citado no comunicado de imprensa divulgado, nesta quarta-feira, juntamente com o relatório. Este documento servirá de base para as discussões durante a Conferência do Clima (COP27), que decorre em Sharm el-Sheikh, no Egipto, de 6 a 18 de Novembro.

O relatório analisa os esforços recentes de cada país. É como se quiséssemos comprar algo precioso e estivéssemos a ponderar se o nosso desejo é ou não viável. Colocam-se então sobre a mesa todas as moedinhas recolhidas na comunidade e calcula-se o montante global.

O que a UNFCCC fez agora foi justamente avaliar os planos de acção climática de cada país e calcular se o esforço conjunto nos permitirá limitar a subida global dos termómetros a 1,5 graus Celsius, tal como previsto no Acordo de Paris. Infelizmente, para já, não temos moedinhas suficientes. As contribuições têm mesmo de ser mais ambiciosas.

“Ainda não estamos nem perto da escala e do ritmo das reduções de emissões necessárias para nos colocar no caminho de um mundo de 1,5 graus Celsius. Para manter esse objectivo vivo, os governos nacionais precisam de fortalecer seus planos de acção climática agora e implementá-los nos próximos oito anos”, avisa Simon Stiell.

As promessas climáticas de cada país são designadas no relatório como “contribuições nacionalmente determinadas” (NDC, na sigla inglesa). É um nome complicado para algo simples: as NDC consistem no compromisso voluntário de cada um dos 166 países envolvidos no acordo para reduzir a emissão de gases. Os 27 países da União Europeia apresentam um compromisso conjunto.

A UNFCCC analisou as NDC de 193 partes que subscreveram o Acordo de Paris, incluindo 24 NDC novas ou actualizadas apresentadas até 23 de Setembro de 2022. Ao todo, os planos cobrem 94,9% do total de emissões globais de gases de efeito estufa em 2019, refere a nota de imprensa.

“Na Cimeira do Clima em Glasgow (COP26), no ano passado, todos os países concordaram em fortalecer e rever os seus planos climáticos. O facto de apenas 24 planos climáticos novos ou actualizados terem sido apresentados desde a COP26 é decepcionante”, lamenta Simon Stiell.

O responsável da UNFCCC acredita que “as decisões e acções governamentais devem reflectir o nível de urgência, a gravidade das ameaças que enfrentamos e a falta de tempo que nos resta para evitar as consequências devastadoras das mudanças climáticas descontroladas”.

O documento revela ainda que os compromissos actuais aumentarão as emissões em 10,6% até 2030, relativamente aos níveis de 2010. “Esta é uma melhoria em relação à avaliação do ano passado, que descobriu que os países estavam no caminho de aumentar as emissões em 13,7% até 2030, em comparação com os níveis de 2010”, lê-se no comunicado de imprensa.

O relatório de 2018 do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) das Nações Unidas indicou que as emissões de CO2 tinham de ser cortadas em 45% até 2030, em comparação com os níveis de 2010. Já o estudo mais recente do IPCC, divulgado em 2022, passa a usar 2019 como ano de referência.

Nessa nova moldura de cálculo, as emissões precisariam de ser cortadas em 43% até 2030. Sem isso, não se cumpre o Acordo de Paris nem se evitam os efeitos negativos da crise do clima. Entre as consequências prováveis estão eventos climáticos extremos mais intensos e frequentes – incluindo ciclones, cheias, ondas de calor e episódios prolongados de seca hidrológica.

Cada fracção de grau conta

Stiell encoraja os governos nacionais a participarem na COP27 de forma assertiva, ou seja, mostrando claramente como vão colocar as metas do Acordo de Paris em prática nos seus países de origem através de leis, políticas e programas. O secretário executivo da UNFCCC também pede que as discussões no Egipto avancem em quatro áreas prioritárias: mitigação, adaptação, perdas e danos e finanças.

A análise do ano passado mostrou que as emissões previstas continuariam a aumentar para além de 2030, ao passo que no novo documento a produção de gases de efeito estufa já não surge em ascensão após a mesma data. Isto, contudo, não deve ser motivo de celebração: embora as previsões não indiquem um aumento, também ainda não sugerem uma rápida tendência de queda. Esse sonhado declínio seria, aí sim, motivo para abrir uma garrafa de champanhe: segundo os dados científicos, é urgente que este gráfico de emissões se torne uma ladeira durante a próxima década.

“É fundamental que façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para manter a meta de 1,5 graus Celsius, como prometemos em Glasgow. Esses relatórios mostram que, embora tenhamos feito algum progresso – e cada fracção de grau conta –, muito mais é necessário com urgência. Precisamos que os principais emissores aumentem a ambição antes da COP27”, pede Alok Sharma, presidente da última Cimeira do Clima (COP26), realizada em Glasgow.

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