Rui Rio lesou o Estado em zero euros, a Altice não
Ninguém gastou dinheiro que era de outrém, a não ser a procuradora que usou uma inenarrável quantidade de meios do Estado ao serviço da sua particular ignorância sobre o sistema político.
O caso Altice já levou à detenção de três pessoas, incluindo o seu co-fundador Armando Pereira, e pode ter lesado o Estado em 100 milhões de euros, segundo as contas da justiça e da Autoridade Tributária. A operação que investiga as suspeitas de branqueamento de capitais, corrupção activa e passiva, decorreu um dia depois das buscas à casa de Rui Rio e sedes do PSD.
A atenção política, contudo, esteve concentrada quase exclusivamente na investigação ao homem que lesou o Estado em zero euros, até porque a CNN conseguiu chegar a casa do ex-líder do PSD primeiro do que os elementos da PJ.
A PT, antecessora da Altice, foi sempre a empresa menina-bonita do regime, até ao dia em que desapareceu e foi comprada pela Altice. Para a Altice, uma empresa com negócios em vários lugares do mundo (Armando Pereira é presidente da Altice Europa) o prejuízo pode ter sido imenso, já que alguns responsáveis terão feito negócios combinados de prédios na zona de Picoas (hoje valiosíssimos) pertencentes à Marconi, antecessora da PT, com recurso também a offshores. O Estado português aparentemente sai profundamente lesado: o fisco, ou seja, todos nós, os contribuintes portugueses, podemos ter perdido neste negócio 100 milhões.
E, no entanto, foi Rui Rio à janela a marcar a agenda mediático/política, por uma razão totalmente abstrusa, que acontece há 40 anos em quase todos os partidos.
A ideia de que o partido e o grupo parlamentar são duas entidades distintas nunca passou pela cabeça de quem fez a lei, com que TODOS os partidos conviveram normalmente até às buscas à casa de Rui Rio, as 19 horas de buscas à sede de Lisboa do PSD, a apreensão da agenda de 2021 do antigo líder do partido (um ano já fora do âmbito da investigação), à casa de uma antiga funcionária do partido.
O que é que se passou pela cabeça da procuradora Helena Almeida para avançar com aquele aparato absurdo, com autorização de um juiz, por causa de alguns funcionários serem pagos com a subvenção destinada ao PSD para o Parlamento e não com a subvenção destinada ao financiamento da actividade partidária e sob a acusação de querer "reduzir o passivo do partido"? Aliás, se formos ler a lei de atribuição das subvenções parlamentares, está lá a expressão “actividade partidária”. O Presidente da República diz agora que poderão existir “zonas cinzentas”, no que foi acompanhado pelo PS…. Zonas cinzentas ou mesmo negras era no tempo em que chegavam a todos os partidos, menos ao PCP, malas de dinheiro provenientes de vários empresários e durante tantos e tantos anos de Macau.
Há procuradores do Ministério Público profundamente ignorantes de como funciona a democracia e o sistema político. Aparentemente, na cabeça da procuradora do MP, o PSD esteve a “roubar” dinheiro à Assembleia para dar ao partido e assim "reduzir o passivo". O grupo parlamentar é um órgão do partido. Ninguém gastou dinheiro que era de outrem, a não ser a procuradora que usou uma inenarrável quantidade de meios do Estado – que o Ministério Público está sempre a dizer que são escassíssimos - ao serviço da sua particular ignorância sobre o sistema político.
Obviamente este processo só serviu para ocultar outros processos, esses sim graves. É impossível acreditar que tenha sido de propósito e com este objectivo. A explicação de muito do que acontece no quotidiano costuma ser sempre mais simples: pessoas não percebem coisas. Muito provavelmente, esta rebaldaria justicialista a que assistimos com o PSD no epicentro (podia ter sido qualquer outro partido) só aconteceu pela incapacidade de entender o regime democrático de um membro específico do Ministério Público e do juiz que a caucionou. Convinha estudar. O Ministério Público e a separação de poderes são tão essenciais ao país como a liberdade de organização partidária (está quase a fazer 50 anos). Um destes dias ainda voltam a malas de dinheiro e o Ministério Público nem vai olhar para o assunto porque “não tem meios”.
P.S. É muito interessante a sondagem da Intercampus que saiu este sábado no Jornal de Negócios. Para surpresa de alguns, 45% dos portugueses acham que, se Costa for convidado para um cargo europeu, deve aceitar; 54,6% acham que Costa quer mesmo ir para a Europa; 44,5% dizem que essa missão seria importante para Portugal; e uma esmagadora maioria de 70% acha que, nesse caso, Marcelo deve convocar eleições. Aguardemos outras sondagens.