Abril, mês da prevenção dos maus tratos na infância

A maioria esmagadora das famílias portuguesas considera que, “quando necessário”, o castigo físico é uma forma legítima de educar.

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A lei portuguesa proíbe que os pais agridam de qualquer modo os seus filhos Adriano Miranda

A violência é hoje um dos maiores problemas sociais do mundo. Para prevenir a violência, primeiro precisamos compreender o que ela representa.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), caracteriza-se como “abusos ou maus tratos às crianças todas as formas de lesão física ou psicológica, abuso sexual, negligência ou tratamento negligente, exploração comercial ou outro tipo de exploração, resultando em danos atuais ou potenciais para a saúde da criança, sua sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade num contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder”. O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (OMS, 2014) aborda a violência como um problema de saúde pública no mundo e acentua que as suas consequências para indivíduos, famílias e comunidades, no curto e longo prazo, causam grandes prejuízos para o desenvolvimento social e económico de todo o planeta.

A violência contra as crianças ou jovens, nomeadamente a que é exercida em contexto familiar e que enquadra o crime de violência doméstica (VD), tem de ser combatida de forma integrada por todas as áreas de intervenção social.

De acordo com artigo 152.º do Código Penal português revisto em 2007, os pais estão proibidos de bater, de privar da liberdade e ofender sexualmente os filhos. A lei portuguesa proíbe, assim, que os pais agridam de qualquer modo os seus filhos. Esta decisão foi acompanhada, em 2007, por outros países como a Espanha, os Países Baixos, a Nova Zelândia, a Venezuela, o Togo e o Uruguai, reforçando o número de países que se têm agrupado nesta agenda, após a pioneira Suécia, em 1979. Dados da Unicef revelam que 80% dos pais batem nos filhos em todo o mundo, embora 49 países proíbam já o castigo corporal sobre crianças.

A avaliar pela nossa experiência, a maioria esmagadora das famílias portuguesas considera que, “quando necessário”, o castigo físico é uma forma legítima de educar.

De acordo com o estudo Será que uma palmada resolve?, do Instituto de Apoio à Criança (IAC), realizado com base em inquéritos a 1943 pessoas, cerca de 30% dos respondentes “ainda consideram poder usar-se castigos corporais em crianças”. Este estudo do IAC demonstra “a importância do exercício de uma parentalidade consciente, sensível e positiva, aliada a uma disciplina eficaz e sensível, em que os castigos corporais não devem ter lugar”.

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A violência contra as crianças ou jovens tem de ser combatida de forma integrada por todas as áreas de intervenção social Getty Images

Em princípio, um adulto (o pai e/ou mãe) tem mais experiência e maturidade, um melhor controlo emocional e mais argumentos para proceder à resolução de situações conflituais, explicar as causas, as consequências e as regras de convívio para convencer uma criança que muitas vezes as desconhece e está apenas em fase de aprendizagem. Neste sentido, o adulto não precisa de recorrer à agressão.

Muitas vezes, os pais nem se apercebem, mas as suas atitudes e comportamentos funcionam como modelos para os filhos, sendo que às vezes não são coerentes com o que desejam ensinar. Se batem nos filhos, estes entendem que podem também bater nas pessoas como forma de resolver situações conflituais.

Mesmo muito aborrecidos, os pais devem controlar a sua agressividade, e procurar traçar limites e enunciar regras.

Castigar não é sinónimo de punir fisicamente. Os castigos podem ser muito diferentes da punição física. Os castigos devem ser encarados não como uma prerrogativa dos pais, mas apenas como soluções de recurso que resultem da impossibilidade de resolver as situações conflituais pela negociação.

Mas, por vezes, não existe consenso entre os pais a esse respeito, o que torna a gestão dos comportamentos arbitrária. Os pais têm que aprender a gerir os castigos, ligando a uma forma positiva de promoção da convivialidade na família, pelo que um princípio fundamental é colocarem-se de acordo em relação a que castigos, quando, onde e como devem ser aplicados, para ajudar os filhos a interiorizar essas regras. As crianças transgridem porque ainda não interiorizaram as normas do convívio com os pais, a família ou a sociedade em geral.

A violência pode ser prevenida. A prevenção social da violência tem que começar pela prevenção que os pais promovem em casa. A família constitui o primeiro ambiente social em que a criança participa, onde aprende os limites, as regras e as formas de se relacionar com os outros.

Desde há muitos anos que na psicologia social se alerta para a compreensão dos riscos das práticas educativas parentais severas, nomeadamente, levando-se em consideração que os comportamentos aprendidos na primeira infância serão utilizados em novas situações com as quais a criança e o adolescente se depara, por exemplo, na escola (Bandura, 1962), porque “os filhos tendem a repetir o comportamento coercitivo dos seus pais, principalmente na resolução de conflitos com os seus pares” (Costa, 2008).

Neste sentido, é muito importante que os adultos (pai e/ou mãe) atuem em vários níveis de prevenção. Na prevenção primária, através de abordagens e estratégias que visam prevenir a violência contra as crianças e adolescentes, para inibir a incidências de comportamentos violento (maus tratos) antes que elas ocorram. Isso supõe o conhecimento de como se pode exercer uma autoridade com amor, sem ser necessário recorrer à punição física. No nível secundário das ações de prevenção, realizadas com famílias consideradas de risco para a ocorrência de violência doméstica, e já no nível terciário de prevenção, das ações com o objetivo de diminuir as consequências das situações de violência que já ocorreram.

Tendo como principal objetivo a prevenção da violência no contexto das relações familiares, é fundamental envolver, sensibilizar e educar (aumentar o conhecimento) dos pais para os efeitos da violência nos filhos, e ajudar os pais a refletir sobre as práticas educativas do dia a dia, ensinando-lhes estratégias para educar cuidando, atuar pelo aperfeiçoamento na resolução de situações no contexto familiar que garantam a segurança e estabilidade dos filhos, que possam contribuir eficazmente para prevenção da violência contra as crianças e adolescentes.

Na perspetiva da garantia de direitos das crianças e adolescentes, é necessária uma intervenção social, no acompanhamento para uma parentalidade positiva, capaz de prevenir todas as formas de violência, tais como a construção de políticas, programas de prevenção e ações que concretizem mudanças estruturais, socioculturais, económicas competentes, de forma a alterar os contextos que favorecem esse fenómeno.

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