Juízes do Constitucional não fundamentam decisões de acordo com indicação partidária, diz estudo

Estudo académico coordenado por assessora do presidente do TC analisou citações dos juízes nos acórdãos e conclui que são mais influenciados por questões geracionais do que pela cor política.

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João Caupers, o presidente do TC, encomendou o estudo que vai ser apresentado nesta quarta-feira Nuno Ferreira Santos

Os juízes do Tribunal Constitucional não fundamentam decisões em função da sua indicação partidária ou universidade de origem, segundo um estudo divulgado nesta quarta-feira, que destaca o papel desempenhado pela colegialidade no processo decisório deste órgão jurisdicional.

O estudo, intitulado “Decidir em conjunto: colegialidade e deliberação no Tribunal Constitucional”, vai ser apresentado nesta quarta-feira no Tribunal Constitucional (TC), em Lisboa, e foi realizado pelos investigadores Raquel Barradas, Jorge Fernandes e Miguel Won.

O Tribunal Constitucional é composto por 13 juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República — após proposta dos partidos — e os restantes três são cooptados por estes.

Através de entrevistas a membros, actuais ou antigos, do TC e análise de acórdãos utilizando métodos de ciências computacionais, os autores do estudo indicam que, na fundamentação das decisões dos juízes conselheiros, não se detectam “padrões de polarização político-partidária”.

“Tudo indica que as diferenças ideológicas e de sensibilidade político-constitucional que separam os juízes são, pelo menos em parte, mitigadas por factores institucionais vários, incluindo a colegialidade, e pela natureza técnico-jurídica de grande parte das questões que o Tribunal é chamado a analisar”, lê-se no estudo.

Em declarações à Lusa, a coordenadora Raquel Barradas — que é também assessora do presidente do TC, João Caupers — realçou que o estudo chegou a essa conclusão depois de ter analisado as citações a que recorrem os juízes quando relatam acórdãos, para perceber se, por exemplo, um juiz indicado pelo PS teria mais propensão a citar jurisprudência elaborada por outro juiz do mesmo espaço político.

“A cor política, o partido de indicação do conselheiro, não tem impacto de todo no processo decisório no que diz respeito à jurisprudência do próprio tribunal que é citada no processo decisório para fundamentar a conclusão a que se chega e a decisão que se toma”, frisou.

No mesmo sentido, o estudo indica também que o género e a universidade de origem não têm influência na fundamentação dos juízes, o que, segundo Raquel Barradas, mostra que “as razões para decidir são de outro tipo”.

A investigadora salientou que, apesar de não ter dados empíricos sobre a matéria, nas diversas entrevistas que fizeram houve juízes conselheiros que apontaram as diferenças geracionais como uma das razões que podem ter influência no processo decisório.

“Há a percepção de que os juízes mais novos se preocupam mais com questões de segurança do que questões de liberdade individual. Os juízes de uma geração mais antiga, que se calhar fizeram a transição da ditadura para a democracia, valorizam mais a questão da liberdade”, exemplificou.

Por outro lado, existe também a percepção de que os juízes de carreira têm “mais preocupação com questões de centralização, de poder do Estado e do interesse” do que os juízes académicos.

A força da colegialidade

No entanto, uma das principais conclusões retiradas pelo estudo, referiu Raquel Barradas, é que “a colegialidade é uma regra internalizada pelos juízes”, que “condiciona a sua acção, a forma como decidem e participam no processo decisório”.

“O lugar central da colegialidade no desenho institucional do TC e na auto-imagem dos seus membros recomenda que o eixo de uma análise de comportamento judicial se mova das atitudes ou preferências individuais dos juízes para a decisão colectiva”, lê-se no estudo.

Raquel Barradas destacou que os juízes têm entendimentos diversos sobre a definição de colegialidade, alguns considerando que se trata sobretudo da “dimensão procedimental” e das “regras escritas”, enquanto outros sublinham que se manifesta nos aspectos de lazer da vida do TC, como conversas informais entre conselheiros ou com assessores.

No entanto, todos os testemunhos, “quase sem excepção”, apontam para “um nexo entre um diálogo informal regular entre juízes, e entre assessores, e um grau de colegialidade mais elevado nos processos deliberativos”.

“Quanto mais trocas de impressão houver entre juízes, mais provável será a efectiva consideração de pontos de vista diversos e a ponderação de razões para decidir que não se apresentem espontaneamente a cada um”, lê-se.

O estudo “Decidir em conjunto: colegialidade e deliberação no Tribunal Constitucional” foi feito a pedido do presidente do TC, João Caupers, no âmbito de um conjunto de iniciativas que visam dar a conhecer o funcionamento deste órgão jurisdicional à sociedade.

O estudo insere-se num conjunto de quatro volumes que estão a ser publicados pelo TC. O primeiro, intitulado Olhar os 40 Anos, foi escrito por João Caupers e apresentado no mês passado.

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