Impasse na escolha de juízes: presidente do TC admite revisão constitucional cirúrgica

João Pedro Caupers descarta responsabilidades no processo de cooptação de três novos juízes que já terminaram mandato, mas não considera que o caso seja “grave” e diz que tribunal funciona.

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João Pedro Caupers, presidente do Tribunal Constitucional LUSA/TIAGO PETINGA

O presidente do Tribunal Constitucional (TC), João Pedro Caupers, admite que pode ser preciso uma “revisão constitucional cirúrgica” para substituir os três juízes cujo mandato está a ser prolongado para além dos nove anos, uma vez que o colégio de cooptação, composto pelos restantes dez conselheiros eleitos pelo Parlamento, não se conseguem entender quanto a novos nomes.

“Se não [se entenderem], o único remédio será uma revisão constitucional para os juízes serem escolhidos por outro meio. Espero que não, desejo que não, mas não tenho garantias que não aconteça”, afirmou João Pedro Caupers ao fim da noite de quarta-feira, em entrevista à RTP3.

O juiz presidente do TC preocupou-se em afastar quaisquer responsabilidades suas nesse processo, sublinhando mesmo que não faz sequer perguntas sobre o processo de escolha dos substitutos, para não poder ser acusado de “interferência no processo”.

“Não cabe a nenhum dos três juízes que devem substituídos resolver o problema nem temos instrumentos para isso”, disse, para sublinhar que a renúncia aos cargos, que tem sido defendida por alguns constitucionalistas, não é solução. “Se amanhã decidíssemos os três deixar o tribunal, nesse mesmo dia o tribunal deixava de funcionar. Ficava sem presidente nem vice-presidente”, além de perder um terceiro juiz, frisou.

Apesar de ter reconhecido que “não é normal” os processos de cooptação de novos juízes demorarem tanto tempo – ainda que tenha lembrado casos de demora anteriores -, João Pedro Caupers desdramatizou a situação, rejeitando que esta seja das maiores crises do TC nos seus 40 anos de existência, como escreveram Nuno Garoupa e Vitalino Canas.

“Não acho que isto seja particularmente trágico, não me parece que seja grave”, disse, já depois de sustentar que “o Tribunal continua a exercer funções e a funcionar normalmente”. Sublinhou mesmo que “os juízes só cessam funções quando são substituídos”. Para concluir: “Estamos a cumprir o dever de nos mantermos em funções”, pois “as funções exercem-se continuamente, não há interrupções”.

Usou mesmo como termo de comparação a situação de vazios políticos pós-eleitorais noutros países: “A Bélgica já esteve mais de um ano sem governo, em Itália também já aconteceu, é o resultado da democracia”. Para recusar que os juízes com mandatos caducados possam pôr em causa a legitimidade das decisões do TC: “As decisões não podem ser postas em causa”, afirmou.

Questionado sobre se a causa desse bloqueio seja uma guerra entre as faculdades de Direito de Coimbra e Lisboa, João Caupers admitiu que seja “possível – embora menos plausível”, pois “alguma coisa há no conjunto de dez pessoas que as impede de se entenderem”. Na sua opinião, o desentendimento teve origem na tentativa de cooptação falhada de Almeida e Costa, em Maio passado: “Provavelmente aconteceram factos na tentativa do processo de cooptação que falhou - admito que seja essa a situação".

Sobre a reforma vitalícia a que terão direito os juízes que atinjam os 10 anos de funções, o presidente do TC considerou que a interpretação dessa norma “é controversa” e que “só acontece se houver um acordo ou uma decisão judicial”, mas não é, em caso algum, decisão do tribunal.

Caupers evitou responder sobre se o modelo da cooptação deve ser alterado, mas foi dizendo que este “não é um modelo comparável a outros europeus”, falou das suas razões históricas e admitiu que outra das formas possíveis é a nomeação de juízes pelo Presidente da República. Mas já não admitiu como possível a audição prévia dos candidatos caso fosse o chefe de Estado a designá-los.

“Não me impressiona que os juízes sejam escrutinados, mas deve evitar-se alguns exageros e conflitos entre órgãos”, sublinhou.

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