Ambientalistas querem Mundial 2030 de futebol com emissões zero

Ecologistas dos dois países pretendem que as deslocações das equipas e dos adeptos sejam feitas por meios ferroviários.

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Fernando Gomes (à esquerda) é o rosto português na candidatura luso-espanhola-marroquina ao Mundial 2030 EPA/MARTIAL TREZZINI

A Aliança Ibérica Pela Ferrovia, uma plataforma que reúne organizações ecologistas de Portugal e Espanha, quer que a organização do Mundial de futebol 2030 incorpore um objectivo de emissões zero na sua candidatura, privilegiando o uso do modo ferroviário nas deslocações de equipas e adeptos.

“Numa organização deste calibre, com milhares de pessoas a movimentarem-se por toda a península, não podemos imaginar outra abordagem que não seja a de ter a preocupação que as equipas e os adeptos se desloquem por meios ferroviários, cujas emissões são muito mais baixas do que o modo rodoviário ou o avião”, disse ao PÚBLICO Carlos Moura, da Quercus, que juntamente com Acácio Pires, da Zero, e João Dias Coelho, do GEOTA, participou nas I Jornadas Ibéricas Pela Ferrovia, realizadas em Madrid no dia 21 de Março.

Estas três associações ambientalistas são as únicas portuguesas numa plataforma que, do lado espanhol, reúne já um bom leque de entidades, como revelou a presença nas jornadas dos grupos Ecologistas em Acción, Greenpace España, as duas centrais sindicais espanholas, várias organizações da Catalunha e outras entidades relacionadas com a mobilidade sustentável e representantes de utentes.

O objectivo de “emissões zero” na candidatura do Mundial de 2030 obrigaria a compromissos dos governos português, espanhol e marroquino para realizar até lá as infra-estruturas ferroviárias necessárias e organizar o evento de forma a minimizar as deslocações, por exemplo, através de uma boa distribuição das equipas que, numa fase inicial, jogariam em cidades próximas.

Acácio Pires, da Zero, diz que em Espanha as infra-estruturas não são um problema porque o país vizinho “tem uma boa rede, até algo exagerada, de linhas de alta velocidade, mas em Portugal há três investimentos fundamentais até 2030: uma linha que ligue Lisboa a Madrid em três horas, a ligação Lisboa – Porto – Vigo em alta velocidade e a Terceira Travessia do Tejo”.

O dirigente diz que é necessário acabar com a dependência do transporte aéreo nas relações entre Portugal e Espanha. Considerando as cidades da Península Ibérica, estas representam 18% de todos os aviões que descolam e aterram no aeroporto de Lisboa.

Só Madrid e Barcelona representam 8,8% de todos os voos do aeroporto Humberto Delgado. As ligações entre Lisboa e a capital espanhola, são, em média de 32 voos por dia.

Já em número de passageiros transportados de avião entre as duas capitais, esse valor foi de 1,5 milhões antes do Covid. A rota Lisboa – Porto representa quase 11 mil voos por ano (30 viagens por dia) e 1 milhão de passageiros entre as duas cidades.

Por outro lado, o número de passageiros por voo na Península Ibérica é inferior à média, o que aumenta a pegada ecológica por quilómetro/passageiro porque os voos são mais curtos.

“São razões mais do que suficientes para que a maioria destes passageiros sejam transferidos para um modo mais sustentável, que é o comboio”, diz Acácio Pires.

Nas jornadas de Madrid – para onde os três ambientalistas se deslocaram de comboio numa viagem de 10 horas com três transbordos à ida e dois à volta – foi muito criticada a estratégia da Renfe e do governo espanhol em só apostar na alta velocidade em detrimento da rede convencional, onde se tem reduzido serviços e fechado linhas. Causou impressão negativa na assistência a apresentação de um responsável da Renfe “que só falou na alta velocidade e em autocarros eléctricos e dizia que se conseguissem ter comboios a 400km/h ainda conseguiriam atrair mais passageiros”, contou Acácio Pires, lamentando estas opções. “Choca-me uma estratégia que passa por uma rede quase exclusiva de alta velocidade complementada com autocarros eléctricas”.

Por outro lado, os comboios de muito alta velocidade acabam por se tornar pouco sustentáveis devido ao elevado consumo de energia que aumenta exponencialmente com a velocidade, como apontam alguns ecologistas espanhóis.

Os ambientalistas dos dois países não querem que, caso a candidatura saia vencedora, se mantenha em 2030 este paradigma de viagens. Carlos Moura diz que quanto mais cedo se incorporar este tipo de preocupações ambientais na candidatura à FIFA, melhor, porque obriga a pensar já nas soluções.

“Embora a nossa proposta possa ser encarada como um obstáculo por poder aumentar custos aparentes, ela acaba por ser uma forma de robustecer a candidatura. No futuro, qualquer evento deste tipo, um Europeu, um Mundial, uns Jogos Olímpicos, terá de ter estes critérios de sustentabilidade e de emissões zero. Ou seja, pode ser inspiradora para outras candidaturas”.

A Aliança Ibérica pela Ferrovia vai apresentar um documento com propostas concretas às candidaturas dos dois países para que a organização do evento incorpore as deslocações em comboio em detrimento do avião e dos autocarros.

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