Há espanhóis que não querem só alta velocidade e exigem mais comboios convencionais

Organizações ecologistas e sindicais, Podemos e Izquierda Unida querem mais comboios regionais e reabertura de algumas linhas férreas que foram encerradas

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A Espanha possui 2920 quilómetros de linhas de alta velocidade (foto da Estação de Atocha, em Madrid) Reuters/SUSANA VERA

A Espanha orgulha-se de ser o segundo país do mundo com mais quilómetros de linhas de alta velocidade (logo a seguir à China e à frente do Japão e da França), mas há espanhóis que consideram um exagero o investimento feito no AVE (Alta Velocidad Española) e defendem um regresso à rede convencional, que tem ficado à margem do investimento público nas últimas décadas.

“Em cada dia quase dois milhões de pessoas viajam nos comboios regionais e suburbanos e só 23 mil nos AVE. A diferença é abismal, mas nos últimos anos os investimentos têm sido de 70% para a alta velocidade e só 30% para a rede convencional”. José Luís Ordoñez é o porta-voz da Coordenadora Estatal em Defesa do Caminho-de-ferro Público, Social e Sustentável, que nas últimas semanas se tem desdobrado em iniciativas em várias localidades para chamar a atenção para a eventualidade de o governo de Espanha vir a fazer mais cortes nos comboios suburbanos e regionais.

Esta plataforma cívica reúne grupos ecologistas, a CGT espanhola e os partidos políticos Izquierda Unida e Podemos.

“Há quatro anos, o governo fez muitos cortes no serviço regional e receamos que agora, com a desculpa de ter de pagar a dívida pública, os comboios convencionais venham a ser novamente o alvo de mais cortes”, disse ao PÚBLICO José Luís Ordoñez. Por isso, as reivindicações deste movimento cívico – que reúne 20 organizações - é que cessem os cortes e se incrementem em 15% os serviços regionais e suburbanos.

“O AVE é usado por apenas 4% dos passageiros e os comboios suburbanos e de média distância [regionais] transportam 90% dos utilizadores”, diz o representante da Coordenadora, para quem os consumos excessivos de energia dos comboios de alta velocidade os transformam num modo de transporte inimigo do ambiente. “Há um equilíbrio entre velocidade, gasto energético e tempo de viagem que está algures nos 200 a 220 Km/hora. Mais do que isso é contraproducente”.

Por isso, ecologistas e partidos de esquerda defendem uma aposta em linhas duplas electrificadas com velocidades médias de 160 Km/hora (o que significa máximas de 220 Km/hora) para ligar cidades intermédias e construir “uma rede ferroviária que seja malhada”. Isto porque “as linhas de AVE são só ramais que irradiam a partir de Madrid, como se fossem aros de uma roda de bicicleta, mas o que nós queremos é uma rede convencional malhada que ajude a vertebrar o território”, diz José Luís Ordoñez, para quem a Alemanha e a Suíça são bons exemplos de países onde a ferrovia funciona verdadeiramente em rede.

O defensores da ferrovia chamam a atenção para o facto de uma linha dupla ocupar apenas 25 metros de terreno, contra os 75 metros de uma autoestrada de três faixas. Uma vantagem para o caminho-de-ferro, que permite assim uma melhor inserção deste modo de transporte no território.

As reivindicações dos ecologistas e da esquerda espanhola – unidos sobre o lema “Queremos Tren” - passam pela reabertura de linhas que foram encerradas há décadas, como é o caso da Via de La Plata, que decorre ao lado da fronteira portuguesa e que liga a Andaluzia ao Norte da Península. Defendem ainda a reabertura da linha entre Guádix (Granada) e Lorca (Múrcia) porque actualmente a Andaluzia não tem ligação ferroviária com o Mediterrâneo.

O manifesto que o grupo divulgou quer o reforço das ligações entre cidades de pequena dimensão e que a electricidade para as vias férreas seja proveniente de energias renováveis.

O documento diz que a “a rede básica ferroviária espanhola tem que estar integrada na rede básica ferroviária transeuropeia que se vai estabelecer em 2023 para entrar ao serviço em 2030”.

Defende ainda “a união da Renfe e ADIF [Administrador de Infraestruturas Ferroviárias] numa única estrutura integrada enquanto empresa pública”.

José Luís Ordoñez diz que o desmantelamento do caminho-de-ferro convencional a que se assistiu nos últimos anos tem contribuído para o aumento da desigualdade social e territorial. “Como o AVE é um transporte caro, minoritário e muito deficitário, que só liga grandes cidades a partir de Madrid, defendemos um modelo mais sustentável onde se possa ligar, numa mesma rede, tanto as cidades grandes como pequenas”.

A Espanha possui 2920 quilómetros de linhas de alta velocidade, contra 2765 do Japão e 2696 da França. Centradas em Madrid, estas linhas são percorridas por comboios que atingem os 310 Km/hora.

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