Equipas de futebol da primeira liga a viajar de comboio, porque não?
Depois de uma polémica inesperada sobre as viagens milionárias em jactos privados da equipa do PSG, a Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro francesa vai reunir com o clube para propor deslocações mais amigas do ambiente. Em comboio, claro.
Tudo começou com um vídeo inofensivo no twitter do Paris Saint-Germain (PSG) onde se vê um bem disposto Marquinhos, sentado num avião ao lado de Neymar erguendo os polegares numa manifestação de regozijo. O tweet diz apenas que há “um bom ambiente no avião em direcção a Nantes”, onde a equipa vai disputar um jogo da primeira liga.
Os jactos privados são a forma habitual de a equipa se deslocar com os seus jogadores, mas, atento, Alain Krakovitch, director do TGV-Intercité da SNCF (Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro), resolveu recordar que a sua empresa já se tinha oferecido para encontrar uma solução ferroviária adaptada às necessidades específicas da equipa do PSG e no interesse de todos, sublinhando os ganhos de “segurança, rapidez, serviço e mobilidade sustentável” do comboio face ao avião.
Os tweets não passaram despercebidos a ambientalistas, defensores da ferrovia e adeptos do futebol, que pareceram ter acordado de repente para o que representam as viagens em jacto privado dos milionários do futebol face a alternativas mais ecológicas.
Entre Paris e Nantes distam 340 quilómetros. Que podem ser percorridos em avião em 3 horas e 35 minutos ou no TGV em 2 horas e 15 minutos (se considerarmos a viagem de centro a centro das duas cidades). Mais: o avião emite 95 kg de CO2 por passageiro contra os 15 kg do comboio. São dados da própria UIC (União Internacional dos Caminhos de Ferro), que decidiu evidenciá-los com uma infografia no linkedin onde também se lê que o comboio é mais confortável, mais amigo do ambiente e liga os centros das cidades.
Mbappé ri de quê?
A polémica aumentou de tom quando, numa conferência de imprensa, um jornalista resolve fazer uma “pergunta extra desportiva” ao treinador do PSG, Christophe Galtier. Depois de citar o tweet da SNCF com a proposta de oferecer soluções de viagens de TGV ao clube, o jornalista pergunta se o treinador já se questionou sobre isso e se falou com os seus jogadores.
Christophe Galtier não disfarça a sua incredulidade perante o inusitado da pergunta, mas é Mbappé, ao seu lado, quem realmente dá nas vistas ao passar de um ar de espanto para umas irreprimíveis gargalhadas.
As redes sociais não perdoaram a indiferença e insensibilidade do jogador, cujas gargalhadas têm mais de amoral do que de imoral perante as questões ambientais. Mas foi o cinismo de Christophe Galtier que sobressaiu, ao responder, da seguinte maneira: “para ser honesto, falei esta manhã com os jogadores e com a empresa que organiza as nossas deslocações para ver se podemos viajar num carro à vela”.
Mais tarde o treinador pediria desculpas por esta “piada de mau gosto” e assegurava que era uma pessoa sensível às questões ambientais.
Mas este mau momento tornar-se-ia viral nas redes sociais com cada vez mais gente a questionar os gastos sumptuosos e custos ambientais dos jactos privados face a alternativas mais económicas e amigas do ambiente, e, muitas vezes, até mais rápidas. E já não foram só os clubes o alvo das críticas, mas os próprios milionários do futebol. A organização Attac diz que o avião privado de Lionel Messi efectuou 52 voos desde Junho passado, emitindo 1500 toneladas de CO2, o equivalente ao que um francês médio gasta durante 150 anos.
Pode ser, porém, que esta história tenha um final feliz. O PSG e a SNCF já anunciaram que vão reunir este mês para tentar pôr fim à polémica e encontrar uma solução mais amiga do ambiente para as deslocações de curta e média distância das estrelas do futebol. É que, veio entretanto a saber-se, há muito que a equipa feminina do PSG é cliente habitual da SNCF e viaja de TGV nas suas deslocações para os jogos. Voilá uma questão onde a igualdade do género está longe de estar assegurada.
A transportadora ferroviária francesa terá, porém, de apresentar soluções dignas das vedetas do futebol e que podem passar por um TGV com um interior adaptado a clientes de luxo. Um comboio selecto, adaptado a clientes exclusivos e que poderia até ser usado por outros clubes ou clientes de prestígio.
As exigências do PSG – que é o sexto clube de futebol mais rico do mundo – poderão comprometer a passagem do modo aéreo para o ferroviário, mas a polémica gerada (muito por culpa de Galtier e Mbappé) colocará o assunto sob o escrutínio da opinião pública obrigando a alguma solução de compromisso.
Equipas espanholas têm tarifas especiais
Em Espanha, que tem a maior rede de alta velocidade da Europa e a segunda do mundo, a deslocação das grandes equipas em comboio já é habitual. Segundo Ángel Luís, director da revista Via Libre, existe um acordo entre a Renfe e a liga de futebol espanhola que permite a todas as equipas beneficiar de tarifas especiais. “Sempre que há possibilidades, a maioria das equipas usa o comboio”, diz, dando o exemplo de jogos entre equipas de Madrid com clubes de Sevilha, Valencia, Barcelona, Málaga, Valladolid.
Por outro lado, há alguns jogos, como as finais da Copa do Rei, em que a Renfe organiza comboios especiais para os aficionados. Em 2014, na final da Champions disputada no Estádio da Luz entre o Atlético e o Real Madrid, foram organizados quatro comboios especiais entre Lisboa e Madrid para o transporte de adeptos.
A boa relação da liga espanhola com a Renfe proporcionou também um acordo para que os jogos da Liga sejam emitidos em directo nos comboios da transportadora pública.
Futebol português a bordo da CP
Em Portugal, e de acordo com a CP, “apesar de não ter um carácter regular, tem-se registado a utilização, dos comboios Alfa Pendular e Intercidades, por algumas equipas de futebol profissional, em especial em viagens mais longas, em que tiram partido do maior conforto que o comboio disponibiliza, comparativamente à viagem de autocarro”.
Nos últimos cinco anos, e com excepção do período da pandemia, equipas como o Sporting, o Benfica, o Belenenses, o Boavista, o Rio Ave, o Vitória de Setúbal e o Portimonense usaram os comboios da CP nas suas deslocações profissionais. Estas viagens foram feitas em comboios regulares, nalguns casos em carruagens exclusivas.
Em 2013, para um jogo da Taça de Portugal, a equipa do Benfica viajou de comboio de Lisboa para Arêgos para disputar um jogo em Cinfães. Fê-lo de Alfa Pendular até ao Porto e depois num comboio especial pela linha do Douro até Arêgos. No ano seguinte o mesmo clube viajou num Alfa Pendular entre Lisboa e Vila Nova de Gaia.
Entre 2013 e 2015 o Benfica foi também um dos maiores clientes da CP através das suas Casas do Benfica, que fretaram dezenas de comboios especiais que transportaram milhares de adeptos para assistir aos jogos em Lisboa.
Realizaram-se comboios especiais desde Braga, Porto, Guarda, Covilhã, Évora e Faro directamente para a estação de Benfica, onde os adeptos mudavam para autocarros que os levavam ao Estádio da Luz.
