Rui Nabeiro — exemplo para a política

Então, com milhares de trabalhadores, percebi que esse gesto demonstrava que qualquer um deles era mais do que um prestador de serviço, uma pessoa integrada num projeto comum.

O comendador Rui Nabeiro, que faria 92 anos no próximo dia 28 de março, deixou-nos subitamente antes de atingir esta bonita idade.

Tive a honra de tomar a palavra na última homenagem que lhe foi feita, no passado dia 10, pela Ordem dos Economistas.

“O comendador foi um cidadão do mundo que deu corpo à alma do que somos, no grupo que criou, com quatro mil trabalhadores, atuando em dezenas de mercados mundiais.

No imaginário coletivo, Campo Maior está ligado ao comendador, empresário inovador, humanista e solidário, exemplo para várias gerações.

É importante, no quadro atual do mundo, hedonista e incerto, refletirmos sobre o que representou, como fez crescer o grupo que criou a partir de quase nada, num universo aberto e sem fronteiras.

A natureza dos objetivos a que meteu ombros para criar o que criou, com uma visão de futuro, interligou fins económicos de criação de riqueza com os sociais no Grupo Delta.

Mourejando de sol a sol desde tenra idade, própria para brincar, traçou um rumo para o projeto, incompatível com a navegação ao sabor da maré e do pragmatismo errático.

Sem experiência na arte militar, conduziu uma estratégia a partir de Campo Maior, convocando para o combate cada vez mais conterrâneos, alargando a influência no terreno com extensão dos objetivos a causas nobres.

De cidade em cidade conquistou o país, tratando os seus trabalhadores com proximidade afetiva, a que se compatibiliza com uma liderança fundamentada na legitimidade da autoridade, consentida, desejada e aceite.

Há anos, num almoço que tive em Campo Maior, ao regressar à mesa depois de ausência temporária, manteve o sorriso largo de “quem ama a vida tem tudo”, justificando que a interrupção se devera ao facto de ter ido falar a um trabalhador sempre assíduo que havia entrado ao serviço tardiamente.

Então, com milhares de trabalhadores, percebi que esse gesto demonstrava que qualquer um deles era mais do que um prestador de serviço, uma pessoa integrada num projeto comum.

O Centro Educativo Alice Nabeiro respondeu também, por isso, às necessidades das crianças dos trabalhadores, objetivo que, sendo do Estado, abraçou, o que grandes empresas omitem.

Políticas empresariais passadas perderam-se, razão por que o Grupo Delta, ao sedimentar cumplicidades humanistas, deve servir de incentivo para as PME, entre nós maioritárias.

A Nova Delta é hoje titular da maior fábrica de torrefação no país, tendo diversificado a atividade ao retalho automóvel, à vitivinicultura, ao imobiliário e à hotelaria, é líder na Península Ibérica no café e tem por objetivo colocar a marca nas dez primeiras do mundo.

Com a determinação de quem sabe que a meta é precedida de obstáculos, superou-os, desde dramas familiares até conflitos armados, como o ocorrido em Angola, na independência, em que, para fazer cumprir um negócio de café, permaneceu meses no território, num quadro adverso, acabando por concretizá-lo entre a metralha.

Por tudo isto, o comendador foi exemplo para o empresariado e neste novo mundo para a política.

É que, a UE, depois de se desindustrializar, passou a reclamar como prioridade a reindustrialização, o que também sucede em Portugal.

O comendador não necessitou de invocar Santa Bárbara, quando trovejou, porque concebeu um sentido estratégico para o grupo que acabaria por criar.

Este ensinamento é importante, uma vez que, por razões de desatenção a desígnios nacionais, o país decapitou-se de empresas estratégicas públicas lucrativas, deixando de ter sobre elas domínio.

Ao ouvir discutidas estatísticas macroeconómicas em debates, verifico que as conclusões que retiram são diferentes, porque os números não têm alma e quando torturados respondem como desejamos.

O desemprego esconde, por exemplo, a emigração dos mais qualificados, a habitação a ausência dela, a Justiça o não acesso por parte dos mais desfavorecidos.

Isso não sucede com o grupo português do comendador, porque, como dizia o poeta Sebastião da Gama, “é pelo sonho que vamos”.

Por todos nós, nesta hora, obrigado, comendador.”

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