Fenómenos que amplificam alterações climáticas exigem “mobilização internacional”

Modelos climáticos não consideram todos os fenómenos geofísicos e biológicos que podem ter impacto nas alterações climáticas, diz artigo, que apela a uma aposta global e imediata na sua investigação.

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O degelo das calotas polares diminui as luz solar que é reflectida, fazendo com que mais energia atinja a Terra Patrick Kelley/Guarda Costeira EUA

Um artigo publicado recentemente pede uma “mobilização internacional” no estudo de processos geofísicos e biológicos da Terra que possam potenciar as alterações climáticas. Segundo o trabalho, é necessário obter uma melhor avaliação do funcionamento e do impacto daqueles fenómenos para se poder fazer uma estimativa mais certeira do dióxido de carbono (CO2) que a humanidade ainda pode emitir antes que a temperatura média da Terra ultrapasse definitivamente os 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais.

“Acreditamos que tem de ocorrer uma mobilização internacional maciça e imediata para avançar a ciência climática, que passa por um aumento nas prioridades de investigação e no financiamento, de modo a melhorar-se rapidamente o conhecimento das interacções e dos impactos dos feedbacks [climáticos] no contexto do orçamento do carbono que resta”, lê-se no comentário publicado na revista One Earth, da autoria de William J. Ripple e de Christopher Wolf, ambos da Universidade Estadual de Oregon, nos Estados Unidos, e de mais cinco cientistas que trabalham nos EUA, no Reino Unido e na Alemanha.

O orçamento de carbono é um conceito importante no contexto da política das alterações climáticas. Conhecer-se o valor da quantidade de CO2 que ainda se pode emitir dá uma dimensão da proximidade a que estamos de um ponto sem retorno e permite desenvolver políticas climáticas que evitem atingir aquele limite.

Mas o cálculo deste valor é complexo porque tem de ter em conta os processos terrestres que interagem com o clima, que são muitos. Os valores mais recentes do orçamento de carbono divulgados dão uma amostra dessa complexidade.

120 gigatoneladas de diferença

A 11 de Novembro passado, o Global Carbon Project (GCP) – um projecto de investigação internacional reconhecido que providencia informação de base para a política climática – publicou um artigo sobre o orçamento de carbono de 2022.

Segundo aquele trabalho, restavam 380 gigatoneladas de CO2 para se emitir, de modo a evitar com 50% de probabilidades que a temperatura média da terra ultrapasse os 1,5 graus, o valor a partir do qual se estima que os efeitos das alterações climáticas sejam mais violentos. Se se considerar que as emissões anuais de CO2 serão cerca de 40 gigatoneladas, aquele orçamento gasta-se em apenas nove anos.

Naquele mesmo dia, um artigo publicado no site CarbonBrief lançava uma estimativa bastante mais pequena. De acordo com o texto, a humanidade tinha a partir de Janeiro de 2023 apenas 260 gigatoneladas de CO2 para gastar, menos 120 gigatoneladas em relação ao valor do GPC, segundo os autores da Universidade de Leeds e do Imperial College de Londres, no Reino Unido. Este valor equivale a seis anos e meio de emissões. Ou seja, se as emissões não baixarem, seria ultrapassado a meio de 2029.

O valor obtido por Piers Forster, da Universidade de Leeds, e colegas tinha em conta, tal como o GPC, os cálculos de orçamento de carbono do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) publicados em Agosto de 2021 e o que já foi emitido em 2020, 2021 e 2022.

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As alterações climáticas aumentam a probabilidade dos incêdios florestais que, por sua vez, lançam mais CO2 para a atmosfera, potenciando o efeito de estufa Peter Buschmann

A grande diferença é que incorporava ainda os aperfeiçoamentos mais recentes sobre o cálculo do orçamento de carbono que tinham em conta o impacto dos aerossóis normalmente poluidores do ar. Embora o efeito seja pequeno, estes aerossóis reflectem uma parte da luz solar.

“À medida que vamos diminuindo as emissões de carbono, aqueles aerossóis vão também declinar, causando o efeito de aquecimento relativo”, lê-se no artigo do CarbonBrief. Esse efeito de aquecimento, mesmo pequeno, tem um impacto na quantidade de CO2 que ainda se pode emitir.

“Avaliar o que resta do orçamento de carbono é complexo porque uma grande parte do orçamento total já foi emitido, e aperfeiçoamentos relativamente menores do conhecimento científico podem ter grandes consequências naquelas estimativas”, explicam aqueles autores.

Modelos climáticos insuficientes

É precisamente este aspecto que os autores do comentário publicado na One Earth temem. O artigo publicado na passada sexta-feira tenta reunir pela primeira vez todos os processos de feedback conhecidos que intervêm nas alterações climáticas numa só lista. Ao todo, são 41 processos, 27 deles amplificam as alterações climáticas, sete têm um efeito amortecedor e há mais sete que não se sabe se aceleram o aquecimento do planeta ou se o mitigam.

Um exemplo muito simples de um fenómeno positivo é o das calotas polares. O aquecimento do planeta faz com que estas grandes áreas brancas situadas nos dois pólos diminuam devido ao degelo, isso significa que vai haver uma menor área a reflectir os raios solares. Se a área de gelo marinha do Árctico diminui, parte da luz acaba por entrar directamente no oceano, aquecendo-o e potenciando o aquecimento da Terra.

Há fenómenos de retroalimentação ligados à formação das nuvens, do vapor de água na atmosfera, das poeiras atmosféricas, dos incêndios florestais, da desertificação, da diminuição do coberto florestal, entre tantos outros, que ligam o clima, a geologia e o mundo vivo dos ecossistemas. Segundo os autores, esta complexidade não está completamente estudada nem integrada nos modelos climáticos.

“Daquilo que sabemos esta é a lista mais extensa dos ciclos de feedback do clima, e nem todos eles são completamente considerados nos modelos climáticos. O que precisamos urgentemente é de mais investigação, modelação e uma aceleração no corte das emissões [de gases com efeito de estufa]”, diz Christopher Wolf, citado num comunicado da Universidade Estadual de Oregon.

Apesar da melhoria daqueles modelos nas últimas décadas, o investigador defende que é necessário fazer-se mais: “A precisão dos modelos climáticos é crucial porque ajudam a guiar os esforços de mitigação ao dizerem aos decisores políticos acerca dos efeitos esperados causados pelas emissões humanas de gases com efeitos de estufa.”

Em 2018, um artigo científico que teve bastante impacto mostrava que havia um risco de que, mesmo que a temperatura do planeta só aumentasse dois graus devido às emissões de gases com efeito de estufa, este aquecimento iria provocar uma série de fenómenos incontroláveis que iriam tornar a Terra muito mais quente. Apesar de ser visto como um cenário extremo, o risco de não se compreender aqueles sistemas não pode ser ignorado, afirmam os autores.

“No pior dos cenários, se a amplificação dos feedbacks for suficientemente forte, o resultado serão alterações climáticas trágicas que vão muito além de qualquer coisa que os humanos possam controlar”, diz William J. Ripple, no mesmo comunicado. “Precisamos de uma rápida transição em direcção a uma ciência integrada do sistema da Terra, porque o clima só pode ser completamente compreendido ao considerarmos o estado e o funcionamento de todos os sistemas da Terra em conjunto. Isto vai necessitar de uma colaboração em larga escala.”

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