Harmonização: vinhos para as comidas de Inverno

Os rigores do Inverno pedem conforto e aconchego para o estômago e nos Vinhos Verdes há respostas cada vez mais qualificadas para os desafios da harmonização.

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O Pedra Furada, no concelho de Barcelos, é uma das casas de mais justificada fama à custa do galo assado Nelson Garrido

Galo assado

Fruto da lenda, em Barcelos o galo assado tornou-se prato oficial e é agora servido já não só no Inverno ou em datas festivas, mas ao longo de todo o ano. É claro que os mais procurados são aqueles que são criados em galinheiro e com alimento da horta, que proporcionam carnes mais texturadas, apetitosas e apaladadas.

Uma das casas de mais justificada fama é o restaurante Pedra Furada, na localidade com o mesmo nome, com criação própria e onde os galináceos ganham corpo e envergadura, atingindo facilmente os cinco, seis quilos. Assados em forno a lenha, as carnes escuras ficam macias e suculentas, envolvidas pela própria gordura, que dá ao assado um sabor muito especial. Muito apreciado é também o recheio de carnes com que é levado ao forno, que reforça os sabores e torna o galo mais apetecido.

Assim preparado, o galo assado torna-se um manjar sumptuoso, com complexidade e riqueza de sabores, pedindo por isso vinhos igualmente complexos, mas ao mesmo tempo gordos, macios, elegantes e saborosos. Os brancos das castas típicas dos Vinhos Verdes, estagiados e enriquecidos em cascos de carvalho, são por isso parceiros adequados.

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O coelho no tacho está entre as as receitas mais populares de coelho Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Coelho

O panorama tem-se alterado profundamente, mas o coelho ainda será a peça de caça mais abundante e acessível. Por isso, os portugueses habituaram-se a cozinhá-lo em formas diversas, sendo assado no forno, frito na caçarola ou refogado no tacho as receitas mais populares.

Come-se por todo o país, tendo-se popularizado a receita do coelho à caçador, um refogado no tacho que tem como principal característica a marinada com alhos, louro e vinho tinto em que as carnes amaciam antes de irem ao fogo. Além do mais, é de muito fácil execução, podendo ser cozinhado até numa fogueira no meio do monte ao longo da jornada e caça. Seria o que fariam muitos caçadores e talvez por isso a designação com que o guisado passou à eternidade.

Dependendo muito também das ervas e especiarias usadas como temperos, as carnes de coelho podem ir bem com um branco de boa estrutura, de preferência com fermentação ou estágio em madeira, mas no caso de a marinada ser feita com vinho tinto, este estará já mais indicado para a harmonização. Neste caso, os vinhos mais macios e delicados, desde que com boas frescura e intensidade, serão os mais aconselháveis.

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As papas de sarrabulho tanto podem ser servidas como um caldo e entrada, ou como acompanhamento substancial para os rojões e tripas enfarinhadas Marco Maurício/Arquivo Público

Papas de sarrabulho

As papas de sarrabulho são uma referência emblemática da gastronomia minhota de Inverno. A forma de confecção pode variar entre localidades vizinhas, já que o prato tanto pode ser visto como um caldo e entrada, ou como acompanhamento substancial para os rojões e tripas enfarinhadas.

Em qualquer dos casos, não varia muito na essência, sendo obrigatório o sangue e as carnes desfiadas, variando apenas a consistência. No caso de acompanhamento, levam pão para engrossar e comem-se com garfo. Sendo caldo, a base é farinha de milho e comem-se à colher.

A receita tradicional manda ainda que, para ir à mesa, se polvilhem com um pouco de cominhos, o que coloca ainda exigências extras na hora da harmonização.

Comida rústica e rotunda, ainda por cima com sangue como ingrediente principal, exige por isso um vinho que a combine boa acidez e intensidade. Tal como acontece com as cabidelas, os tintos de vinhão parecem prontos para o desafio.

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A pescada à poveira também resulta em registo de alta cozinha, como demonstrou o chef Tiago Bonito no estrela Michelin Casa da Calçada. Casa da Calçada/DR

Pescada com todos

Com os cozidos quase caídos em desuso, a pescada cozida com todos é hoje uma raridade no panorama restaurativo. Uma pena, sobretudo se pensarmos numa boa cabeça de pescada, sobretudo sendo daquelas de “gola” avantajada. A frescura, a alvura e a suculência do peixe, e a riqueza e o colorido dos legumes, fazem do prato um caso sério de sabor e atractividade, mas, convenhamos, complicado de montar, tratando-se do estilo mais contemporâneo de apresentação.

Daí as modernas versões, com lombos e filetes delicadamente preparados na chapa ou na sertã, em apresentações minimalistas, como por exemplo a que prepara o chef Tiago Bonito no restaurante Largo do Paço, detentor de uma estrela Michelin, em Amarante.

A mais famosa era a receita da pescada à poveira, associando as proporções avantajadas e a frescura dos exemplares recolhidos na lota local à qualidade dos legumes colhidos nas hortas de terrenos arenosos na proximidade do mar. Ao rigor do ponto de cozedura de cada um dos ingredientes – pescada, batata, cenoura e repolho – associa ainda o ovo cozido, azeite fervido com cebola e pimentão em pó.

Sabores simples, a destacar a frescura, a exigir por isso vinhos jovens que destaquem a frescura e fruta primária.


Este artigo foi publicado no n.º 7 da revista Singular.

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