Afinal, o Verão de “todos os corpos” em Espanha exclui próteses e mastectomias

As denúncias de modelos nas redes sociais revelaram as incoerências de uma campanha de Verão divulgada como inclusiva, promovida pelo Ministério da Igualdade de Espanha.

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Cartaz promocional da campanha junta cinco mulheres para representar diferentes corpos DR

O Governo de Espanha lançou, na semana passada, uma campanha de Verão para reafirmar que “todos os corpos são corpos de praia”, promovida pelo Instituto das Mulheres, integrado no Ministério da Igualdade. Mas, afinal, a praia desenhada pelo Governo não é tão inclusiva como fazia parecer. As críticas começaram a surgir nas redes sociais depois uma das modelos representadas na imagem ter dito que a sua prótese na perna foi editada e apagada digitalmente.

“Nem sei como explicar a raiva que sinto neste momento”, disse Sian Green-Lord, influencer e modelo britânica. “Uma coisa é usarem a minha imagem sem permissão, outra é editarem o meu corpo, o meu corpo com a minha perna protética... Nem sei o que dizer, mas isto é para lá de errado.”

A semelhança entre a fotografia original, tirada em Ibiza e divulgada no Instagram, e a ilustração da campanha governamental é evidente. Apenas difere a cor e padrão do fato de banho usado pela modelo e o desenho de uma perna onde deveria estar visível uma prótese — que Sian Green-Lord começou a usar depois de ser atropelada por um táxi em Nova Iorque, em 2013, e ter de amputar a perna esquerda.

A designer responsável pela campanha “O Verão também é nosso”, Arte Mapache, terá baseado o seu trabalho na imagem de várias modelos sem a sua permissão, além de ter usado um tipo de fonte gráfica que não é da sua autoria. A artista já pediu desculpa após a polémica gerada quanto aos direitos de imagem das modelos, e garantiu “dividir o dinheiro recebido pelo trabalho e entregar somas iguais a cada pessoa [representada] no cartaz”.

Ao contrário do rumor de que o contrato com o Governo espanhol previa uma remuneração de 84 mil euros, já oficialmente negado, a autora da campanha terá recebido cerca de 4500 euros.

Além de Sian Green-Lord, também a modelo britânica Nyome Nicholas-Williams afirmou não ter sido informada sobre a utilização da sua imagem, descobrindo apenas quando lhe enviaram uma notícia sobre a campanha espanhola. Nyome agradeceu o pedido de desculpas da designer e a entrega de parte da remuneração pelo trabalho, mas ainda quer ter “uma conversa sobre a importância do consentimento e de pedir às pessoas para usar a sua imagem”.

Já a actriz Juliet FitzPatrick foi surpreendida por ver a sua cara no corpo de outra pessoa, já que na campanha é representada uma mulher que retirou apenas uma das mamas, e Juliet fez uma dupla mastectomia. “Podem dizer-me que imagens foram usadas para fazer esta mulher. Eu não tenho mamas e estou triste por a minha ter sido posta num corpo com uma. E furiosa se esta imagem [também] foi usada sem autorização”, escreveu no Twitter.

Nas redes sociais, as críticas ao Ministério da Igualdade de Espanha multiplicam-se, assim como à ministra Irene Montero, que na última quarta-feira, após o lançamento da campanha, defendeu que “todos os corpos são válidos e temos o direito de aproveitar a vida tal como somos, sem culpa ou vergonha”. Horas depois, a tag #IreneMonterodemite, um pedido de demissão da ministra, era já tendência na rede social Twitter em Espanha.

Para o Instituto das Mulheres, esta campanha governamental nasceu com o propósito de “responder à gordofobia, ao ódio e ao incómodo em relação a corpos não normativos” — em particular, “os das mulheres”, que ficam sob maior escrutínio durante o Verão, justificaram. Apesar das boas intenções, as recentes denúncias que correram a Internet fizeram com que o tiro saísse pela culatra ao Governo espanhol.

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