A epopeia punk activista das Pussy Riot vai do Kremlin a Bucha

No primeiro de dois concertos em Portugal, o colectivo russo reconstruiu o seu percurso de acção performativa contra o regime de Putin. Para o público, o contexto político é uma motivação para as escutar, mas não é tudo.

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A oposição a Vladimir Putin esteve sempre presente no concerto das Pussy Riot ESTELA SILVA/LUSA

Foi por “acidente” que o russo Mikhail decidiu assistir ao concerto das Pussy Riot na Casa da Música. Viajou da Suíça para o Porto para ir ao festival Nos Primavera Sound, que começa esta quinta-feira, mas, uma vez que já estava na cidade, decidiu ir ver o espectáculo das compatriotas. “Não as sigo musicalmente”, admite, mas diz partilhar as suas ideias acerca do regime do país de origem.

O colectivo punk russo tem um público particular: há quem as siga pela música e pelo valor artístico das performances que costumam trazer a palco, mas a mensagem política, que vai além da oposição ao regime de Vladimir Putin, é incontornável.

Mikhail abandonou a Rússia há oito anos e tem um olhar ambivalente sobre as Pussy Riot. Recorda uma das primeiras aparições públicas do grupo, em 2012, quando entraram de rompante na Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, para uma performance que denunciava os vícios da Igreja Ortodoxa russa e a sua proximidade do Kremlin. “Muita gente ficou ofendida com o episódio na catedral”, lembra Mikhail, dando o exemplo dos próprios pais. “Mas percebo que talvez seja a única forma de passar esta mensagem na Rússia”, acrescenta.

Para Mikhail, “tudo mudou depois de Fevereiro”, ou seja, desde que o Exército do país onde nasceu invadiu a Ucrânia, lançando uma guerra que continua com poucas perspectivas de acabar. “Pessoas como eu estavam a tentar quebrar a imagem dos russos como bárbaros”, lamenta. Não vê qualquer perspectiva de regressar à Rússia: “Não é um país onde queira viver.”

Há quem venha ver o concerto das Pussy Riot apenas por gosto pessoal. É o caso de Francisco Mesquita, que diz gostar da música feita pelo colectivo russo, tal como aprecia “vários outros estilos musicais”. O contexto político que envolve a guerra entre a Rússia e a Ucrânia é algo de “muito complexo”, afirma. “Sou contra a guerra, obviamente, e acho que Putin é um assassino, mas há um outro lado: guerras como esta acontecem em muitos locais”, explica.

Marcos Leal diz que sempre se interessou “pela atitude um bocado punk” das Pussy Riot, mas nota que esse estilo “mudou um pouco” nos últimos tempos, aproximando-se mais de um registo “comercial”. “Espero ver se isso mudou ao vivo”, afirma, a poucos minutos de entrar na sala. Apesar do gosto pelo estilo da banda, Marcos também se identifica com os temas políticos representados pelas Pussy Riot, como a defesa dos direitos LGBTQ+ ou o feminismo.

“Deve haver vozes activas, ainda mais no campo artístico, na defesa das liberdades individuais, para não deixarem as pessoas adormecerem”, afirma.

Para Margarida Fernandes e Luís Santos, o espectáculo das Pussy Riot deve ter “referências ao que se está a passar” entre a Rússia e a Ucrânia. A própria banda lançou a digressão europeia como um acto de apoio à Ucrânia e prometeu doar parte das receitas para a reconstrução de um hospital pediátrico em Kiev. “A componente do apoio à Ucrânia é importante, mas é redutor ver apenas isso. Há questões maiores”, diz Luís, referindo-se à defesa dos direitos LGBTQ+ e a luta pela igualdade de género, duas bandeiras do colectivo russo.

Apesar da expectativa acerca da mensagem política que as Pussy Riot vão levar a palco, Margarida e Luís lembram que a “componente artística também é relevante”. “Isto não é um comício”, dizem.

Não foi, de facto, um comício aquilo que as Pussy Riot levaram ao palco da Casa da Música, mas a política nunca esteve ausente. O “concerto-manifesto” que tinha sido prometido durante a antevisão dos dois espectáculos do grupo russo – esta quinta-feira actuam no Capitólio, em Lisboa – teve por base o livro Riot Days, publicado em 2018, que conta história do colectivo desde a sua fundação em 2011.

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ESTELA SILVA/LUSA

Ao longo de mais de uma hora, a um ritmo praticamente ininterrupto, os quatro elementos da composição actual das Pussy Riot percorrem os vários capítulos da história do grupo, uma espécie de epopeia punk. Pontuados por slogans que incitam à acção contra o regime de Putin, as performances reconstroem alguns dos momentos mais marcantes do percurso da banda, desde as primeiras performances na Praça Vermelha, passando pelo controverso episódio na Catedral de Cristo Salvador, a subsequente detenção das activistas políticas, o julgamento e a prisão.

O encore é reservado para uma música sobre a guerra na Ucrânia, mais um grito de revolta dirigido a Putin e aos seus seguidores, onde é reproduzida uma chamada desesperada de um soldado russo para a mãe: “Porque estão a chamar à guerra uma operação militar especial, mãe?”. O culminar é um longo grito com a palavra “Bucha”, local perto de Kiev onde foram encontrados vários corpos de civis aparentemente executados por militares russos. Despejada a raiva, resta a emoção das Pussy Riot – “Ucrânia, eu amo-te.”

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