Em prova: Arinto, a nobre

É uma das mais antigas castas brancas portuguesas e, simultaneamente, das mais entusiasmantes. Proporciona vinhos de intensa frescura, dominados por aromas citrinos e florais. Além disso, origina vinhos leves, que podem ser bebidos já, ou exemplares com elevada aptidão de guarda. Por isso, sendo uma das variedades preferidas dos enólogos, a solo ou em lote, é um esteio da região dos Vinhos Verdes, onde dá pelo nome de pedernã.

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A nobreza da casta arinto é perceptível não apenas pela sua valia enológica e pelos belíssimos vinhos que origina. É uma das variedades brancas portuguesas mais antigas, o que se comprova pela dispersão geográfica, pois marca presença em praticamente todas as regiões nacionais. Mas também pela diversidade intravarietal, verificada pelo número de clones (como que o conjunto das reproduções, ou multiplicações, da variedade que lhes deu origem) existentes na “biblioteca”, denominada colecção ampelográfica, da Porvid – Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira, em Pegões. O trabalho hercúleo aí desenvolvido resultou na selecção de 12 clones de arinto, com um ganho de rendimento na vinha de 15,6%. Desta forma, é garantida a adaptabilidade da casta aos diferentes ambientes – ou terroirs –, bem como a qualidade da uva e dos vinhos.

Isso é particularmente verdadeiro na região dos Vinhos Verdes que, no seu conjunto, é bastante mais heterogénea do que podemos ser levados a pensar. Habitualmente descrita como um anfiteatro que se dispõe perante o oceano, é composta por nove sub-regiões, com muitas diferenças entre si. No geral, predomina um clima de influência atlântica, com Invernos temperados e chuvosos e Verões relativamente quentes. A região apresenta solos predominantemente graníticos, bem drenados, de textura ligeira. Diz-se que são androssolos, por acção do homem que, ao longo de séculos, fruto do sistema de agricultura assente na horticultura e pecuária, enriqueceu-os em matéria orgânica nas vinhas tradicionais, instaladas nas bordaduras do minifúndio, de condução em ramadas, enforcados ou arjões. A profissionalização da viticultura levou-a para a meia encosta, de solos mais pobres, com vinhas em espaldeira, estremes, em áreas de maiores dimensões, mecanizadas em outras formas de condução, como o cordão unilateral ascendente e sistemas pluri-espaciais, como o Lys.

Na vinha, a arinto apresenta ciclo longo, maturação tardia e produtividade elevada, podendo chegar a 15 toneladas de uva por hectare, dado o tamanho e compacidade dos seus cachos.

Acidez e longevidade

É nesta diversidade geográfica que a casta vinga e se adapta, oferecendo-se como uma variedade de grande valia enológica, desde logo em estreme, onde expressa todas as suas virtudes de frescura, mineralidade sensorial, aromas citrinos, muito frescos e directos, notas de pomóideas, como maçã, expressão floral e uma grande capacidade de envelhecimento.

A que se deve este potencial de guarda? À enorme acidez natural da uva, responsável pelas sensações de frescura. A acidez providencia não apenas a estrutura, essencial sobretudo nos brancos, como também reduzida sensibilidade à oxidação. E ainda assegura a longevidade dos vinhos.

Esta carga ácida, que pode por vezes ser um pouco dura, tende a ser domada quando vinificada em barrica. Em ambiente redutivo, origina aromas mais tropicais. Com o tempo, ganha nuances complexas de frutos secos, cera de abelha e querosene. Por isso, é uma casta com grande plasticidade de vinificação, podendo originar belíssimos vinhos-base para espumantizar (que pedem acidez elevada e aromas expressivos), vinhos brancos frescos e vivos ou outros mais complexos, ditos de Inverno. Com todos, a rica gastronomia portuguesa sai a ganhar.

No Minho, onde dá pelo nome de pedernã, encontramos a casta em praticamente todas as sub-regiões, com excepção de Monção e Melgaço, onde predomina a alvarinho. Ave, Cávado, Lima, Paiva e Sousa são as sub-regiões onde impera, cada vez mais na produção de vinho estreme, frequentemente como casta melhoradora de lotes, normalmente com loureiro, avesso ou mesmo alvarinho.

A tendência do encepamento é para aumentar, respondendo por cerca de 2500 hectares da região, pouco menos de 6000 a nível nacional, sendo a terceira variedade branca mais plantada. Pé de perdiz branco, chapeludo, azal espanhol, azal galego e branco espanhol são outras sinonímias pelas quais é reconhecida. Certo é que o parentesco com a casta riesling ancestralmente invocado foi desmentido por testes de ADN. Nobre sim, senhor, mas portuguesa.

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