Prefácio do livro Zelensky – O Herói Improvável

Chega esta quinta-feira às livrarias Zelensky – O Herói Improvável, um trabalho de investigação da dupla de jornalistas Andrew L. Urban e Chris McLeod. Rebekah Koffler, a ex-funcionária dos serviços secretos norte-americanos e autora do livro Putin’s Playbook: Russia’s Secret Plan to Defeat America, assina neste livro o prefácio que aqui pré-publicamos.

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Volodymyr Zelensky EPA/UKRANIAN PRESIDENTIAL PRESS SERVICE HANDOUT

Numa era em que o heroísmo genuíno é tão raro, o apelo do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ecoou pelo mundo. Zelensky podia ter fugido – Washington oferecera-lhe uma forma segura de sair de Kiev –, mas ele escolheu lutar pelo seu país, apesar das escassas probabilidades de vitória.

Dias antes, Vladimir Putin, presidente da Rússia, dera início a uma guerra brutal na Ucrânia, ansioso por devolver o país ao jugo de Moscovo. Os russos aproximaram-se rapidamente de Kiev, esperando “decapitar” o governo de Zelensky – isto é, matar Zelensky – e instalar um regime fantoche.

Porém, Zelensky não se deixou intimidar, mesmo após múltiplas tentativas de assassínio realizadas pelos esquadrões de ataque de Putin. Enfrentou a oposição e manteve-se firme, exibindo uma coragem que muitos julgavam já não existir no mundo de hoje.

Praticamente desconhecido fora da sua Ucrânia natal antes da guerra, Zelensky ganhou o respeito dos seus compatriotas e a adoração tanto das elites quanto dos cidadãos comuns do Ocidente. Deu mostras de um espírito indómito numa luta profundamente injusta. As forças armadas russas são muito superiores às ucranianas, mas os soldados e voluntários ucranianos mostraram que a coragem ainda conta para alguma coisa no campo de batalha. Não vemos, na Europa, uma vontade tão feroz de rechaçar um inimigo desde que os russos defenderam Estalinegrado dos invasores alemães na II Guerra Mundial.

Zelensky, o artista de 44 anos que se tornou servo do povo, revelou estar à altura do seu adversário, Putin, o inabalável chefe de espionagem e especialista em judo. Putin, que se iniciou como agente do KGB, trabalhando de perto com tudo o que de mais brutal e insidioso a União Soviética tinha para oferecer, recorreu a todos os truques que aprendeu naqueles tempos. E, ainda assim, Zelensky conseguiu levar-lhe a melhor em algumas situações.

Ao contrário de Putin, que não usa e-mail e está preso na era pré-Internet, Zelensky provou ser um guerrilheiro hábil em novas fronteiras digitais. Zelensky venceu as eleições de 2019 graças a uma competente campanha nas redes sociais. Na presente crise, mostrou ao mundo ser um mestre das redes sociais, liderando um esforço concertado no YouTube, no Facebook, no Instagram e no Twitter, com a graça e a competência de um maestro a dirigir a sua orquestra. Um entertainer habituado a ler a audiência, Zelensky sabe o que o Ocidente quer ouvir. Relegou Putin para segundo plano no âmbito da guerra de informação.

Este talento para criar narrativas deu frutos. Zelensky conquistou os corações dos planeadores e decisores políticos ocidentais, que estão ansiosos por apoiar o carismático ucraniano. Intelectuais do Ocidente clamam para que se conceda a Zelensky a zona de exclusão aérea que ele pretende, mesmo que isso implique arrastar os Estados Unidos e a NATO para um conflito armado com a Rússia que quase de certeza escalaria para uma guerra nuclear. Zelensky até pode ter conquistado o coração do Ocidente, mas isso não custará a cabeça ao Ocidente?

Todos nós vemos agora o presidente Zelensky como um herói, mas algumas das suas decisões não são tão inequívocas como os ocidentais pensam. Zelensky, tal como a própria Ucrânia, está cheio de contradições. Os ucranianos amam a liberdade, mas são um dos povos mais corruptos da Europa. E embora Zelensky declare o seu amor pela pátria, não foi capaz de a proteger de um ataque destruidor que poderá resultar na morte de um grande número de civis, na eliminação das fronteiras do país e na aniquilação da sua cultura.

Zelensky será corajoso ou imprudente? Zelensky deve saber que Putin nunca permitirá que a Ucrânia entre na órbita política ou militar do Ocidente sem dar luta. Há vinte anos que Putin planeia reverter o resultado da Guerra Fria. Na sua cabeça, perder a Ucrânia para a influência ocidental não é uma opção.

Não obstante, Zelensky escolhe frequentemente espicaçá-lo. Com milhares de soldados russos reunidos junto às suas fronteiras, Zelensky pediu abertamente para aderir à NATO. Agora, com botas russas a pisar solo ucraniano, incita Putin a escalar o seu ataque, desafiando inclusivamente os russos a arrasar Kiev com bombardeamentos. Parafraseando uma célebre frase a respeito do Vietname, é possível que Zelensky permita que o seu país seja destruído para o salvar.

Será Zelensky um George Washington ucraniano, disposto a sacrificar a própria vida para pôr o seu país no caminho da liberdade? Ou será a sua intrepidez motivada pelo ego de performer e pelo seu sentido dramático? Talvez um pouco de ambos, e o relato equilibrado que se segue ajudará o leitor a decidir o que pensar desta nova estrela da geopolítica.

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