BE e PCP justificam abstenção e voto contra apoio financeiro à Ucrânia com rejeição à austeridade associada

No passado dia 14 de Fevereiro, os dois eurodeputados do Bloco abstiveram-se na votação à atribuição, pela UE, de uma ajuda financeira de 1,2 mil milhões de euros à Ucrânia, enquanto os parlamentares europeus do PCP votaram conta. Todos justificam o sentido de voto com a oposição às políticas de austeridades associadas.

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José Gusmão é eurodeputado desde 2019 Nuno Ferreira Santos

Numa altura em que ganha tracção uma discussão, sobretudo nas redes sociais, acerca da posição dos eurodeputados eleitos pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP a um apoio de emergência à Ucrânia no valor de 1,2 mil milhões de euros, estes parlamentares fazem questão de explicar que os respectivos sentidos de voto tiveram por base a oposição aos memorandos de entendimento associados à ajuda financeira e consequentes políticas de austeridade.

Por partes. No passado dia 24 de Janeiro a Comissão Europeia apresentou uma proposta com vista à atribuição de uma assistência financeira de 1,2 mil milhões à Ucrânia para que o país pudesse “responder às necessidades de financiamento” agravadas pela escalada no conflito com Moscovo.

Já no dia 14 de Fevereiro, o plenário do Parlamento Europeu votou e aprovou este mesmo pacote de assistência financeira. Nessa votação, os eurodeputados do Bloco (Marisa Matias e José Gusmão) abstiveram-se e os do PCP (Sandra Pereira e João Pimenta Lopes) votaram contra.

Já depois de confirmada a invasão russa da Ucrânia, o PCP foi a excepção no Parlamento português na condenação feita a Moscovo pela agressão a Kiev – o Bloco condenou as acções do presidente russo, porém não isentou de responsabilidades os Estados Unidos, a NATO nem a própria UE.

Entretanto, via Twitter, políticos como o também eurodeputado e candidato à presidência do CDS, Nuno Melo, ou o deputado do PSD, Ricardo Baptista Leite, vieram condenar a actuação de BE e PCP no Parlamento Europeu. O social-democrata fala mesmo numa “atitude inaceitável vindo de partidos eleitos numa democracia como a nossa”.

O PÚBLICO pediu explicações aos eurodeputados em causa e perguntou quais os argumentos que justificaram tais opções de voto. José Gusmão lembra que “a assistência financeira à Ucrânia existe desde 2014 da parte da União Europeia, e depois também do Fundo Monetário Internacional, e é basicamente um programa do tipo dos memorandos da troika, tem conjuntos de reformas estruturais e restrições à politica económica”.

O pacote de 1,2 mil milhões de euros “é condicional, depende do cumprimento do memorando com o FMI. A libertação da primeira tranche desta assistência financeira depende do cumprimento satisfatório do programa do FMI, o 2.º que começa em 2020 e adicionalmente do memorando com a UE”, acrescenta o bloquista.

Gusmão insiste que “o Bloco teve sobre isto a posição que teve sempre sobre programas desta natureza: apoiamos a assistência financeira a países que enfrentem dificuldades financeiras, opomo-nos a programas como estes que agravam a situação financeira desses países.”

Para este eurodeputado a “definição de políticas económicas e reformas estruturais faz parte da soberania económica de um país e não deve depender do cumprimento de determinada agenda ideológica”, pelo que “quem o deve determinar são os ucranianos e as suas instituições democráticas.”

“A posição de compromisso é esta: por apoiarmos a assistência financeira mas por nos opormos às condições em que ela é prestada, viabilizámos a ajuda financeira pela abstenção”, conclui José Gusmão.

Na mesma linha, em resposta escrita enviada ao PÚBLICO, Sandra Pereira e Pimenta Lopes sustentam que “este tipo de instrumentos subordinam os apoios, não às necessidades efectivas e concretas com que os países se confrontam, mas ao conjunto de reformas estruturais definidas” e que “visam subordinar os países, neste caso a Ucrânia, aos desígnios políticos e interesses da UE”.

Considerando que “são conhecidas as consequências deste tipo de ‘assistências macrofinanceiras’ com a implementação de políticas de austeridade, ataques a direitos laborais e sociais e redução das funções sociais do Estado, como na saúde, ou a liberalização de sectores como a energia”, os parlamentares europeus do PCP recordam que, “por estas razões e de forma coerente, a opção de voto neste tipo de apoios tem sido contra”.

Já na tarde desta terça-feira, o gabinete de imprensa dos eurodeputados comunistas divulgou um comunicado em que “o PCP condena o caminho de ingerência, de violência e de confrontação decorrente do golpe de estado de 2014 promovido pelos EUA na Ucrânia, a que se seguiu a recente intervenção militar da Rússia, e a que se acrescenta a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE”.

Também esta terça-feira, os eurodeputados do PCP votaram contra uma resolução que condena com maior veemência a agressão militar “não provocada e injustificada” da Rússia contra a Ucrânia e que pede que se “desenvolvam esforços no sentido de conceder à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão à UE”. Já o Bloco votou a favor do conjunto da resolução, tendo votado contra alguns pontos por considerar que configuram o “reforço da NATO” e uma “corrida ao armamento”. A resolução foi aprovada com 637 votos a favor, 13 contra e 26 abstenções.

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