Covid-19: especialistas pedem alívio gradual e cauteloso das restrições

Da obrigatoriedade da utilização de máscara em espaços fechados à discussão sobre a dispensa de isolamento de infectados sem sintomas, que temas poderão estar em debate na próxima reunião de peritos no Infarmed? O PÚBLICO falou com três especialistas da área da saúde pública, pneumologia e saúde internacional para procurar uma resposta. As opiniões divergem quanto à necessidade de algumas restrições, mas todos pedem um aligeirar progressivo de medidas.

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Nelson Garrido

O Governo vai reunir-se com o grupo de peritos, no Infarmed, na próxima quarta-feira, para avaliar a situação epidemiológica actual e discutir um eventual alívio de medidas. Agora que o pico da quinta vaga já foi ultrapassado e que os indicadores da pandemia de covid-19 entram numa fase descendente, os três especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, esta segunda-feira, pedem que esse processo seja gradual e cauteloso. Apesar de as visões serem distintas, são destacados alguns temas que deverão estar em debate: os isolamentos, a testagem, a utilização de máscara e do certificado de vacinação.

Testagem maciça? Há quem discorde

Para o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, a testagem em massa continua a ser uma “ferramenta essencial” no rastreamento de contágios e na quebra de cadeias de transmissão. Por esses motivos, defende que não é altura ainda para deixar de testar a população de forma maciça. “Nesta fase a testagem precisa de continuar ainda da mesma maneira que tem decorrido até agora”, sustenta.

Já o pneumologista Filipe Froes e o especialista em saúde internacional Tiago Correia são da opinião de que “a testagem maciça neste momento já não se justifica”, como diz Filipe Froes. Para o também coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, os testes em massa à covid-19 só se justificam em casos de “surtos que possam criar cadeias de transmissão com impacto significativo” ou em rastreios com periodicidade variável, e de acordo com o estado vacinal, assim como no controlo e prevenção de infecção, por exemplo.

Utilização de máscaras nas escolas

Outro ponto que deverá estar em cima da mesa é a utilização das máscaras de protecção individual. Para os três especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, é ponto assente que, para já, não é o momento de retirar as máscaras nos transportes públicos. Mas as opiniões variam quanto à utilização de máscara nas escolas. Uma vez que Portugal não tem um sistema implementado de medição da qualidade do ar interior e tendo em conta que nas escolas a ventilação é maioritariamente natural, Gustavo Tato Borges acredita que nas salas de aula a máscara deve manter-se.

Já Filipe Froes e Tiago Correia acreditam que o país caminha para uma situação em que esse levantamento é cada vez mais justificável. “As crianças estão amplamente vacinadas e a grande maioria já esteve infectada com covid-19”, reitera Tiago Correia. “A leitura que faço sobre a utilização de máscara é que ela se deve manter nos espaços fechados em que não se consegue manter o distanciamento físico e em que os contactos são muito ocasionais, como é o caso dos transportes públicos.”

Isolamento de pessoas sem sintomas gera dúvidas

A directora-geral da Saúde admitiu no início do mês que as pessoas que estejam infectadas mas sem sintomas da covid-19 possam vir a ser dispensadas de fazer isolamento. Na óptica de Tato Borges, essa é uma medida que não deverá ser implementada num “futuro imediato”. Isso significa que, a avançar, o levantamento dos isolamentos para pessoas assintomáticas será mais prudente dentro de “duas a três semanas”. “É quando teremos uma realidade epidemiológica menor e poderemos começar a libertar aqueles que, à partida, poderão ser menos infecciosos.”

Já Tiago Correia refere que esta “é a questão mais sensível de todas”. Por um lado, defende que as quarentenas para contactos de risco que não tenham a dose de reforço “devem acabar”, mas alerta que se devem reduzir contactos “com consciência de que a pessoa pode estar contagiosa”. Por outro lado, é com “dificuldade” que olha para “a ideia de que se termine o isolamento para os casos assintomáticos” uma vez que “mesmo não tendo sintomas, continuam a transmitir” o vírus.

O especialista em saúde internacional conclui, por isso, que essa será uma “decisão política”, em que o Governo define quais são as consequências aceitáveis do levantamento de medidas, uma vez que as orientações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) não vão nesse sentido, diz. “O ECDC ainda recomenda que, independentemente de as pessoas terem sintomas, devem cumprir seis dias de isolamento e só terminar com o teste”, sustenta e acrescenta que, apesar disso, esse período poderia ser mais reduzido.

Já Filipe Froes elaborou uma “prova de conceito” para o levantamento de restrições, na qual o aligeirar de medidas acontece em função de três indicadores: internamentos, internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI) e taxa de vacinação de reforço. O pneumologista acredita que Portugal está ainda no quadrante vermelho, do semáforo que vai do vermelho ao verde em função da gravidade dos indicadores em análise, mas que rapidamente avançará para o amarelo, no espaço de “dois ou três dias”. Assim, no patamar amarelo, que pressupõe uma taxa de vacinação de reforço de 60%, ocupação de 50% das camas de UCI (menos de 120), e 25 internamentos hospitalares por 100 mil habitantes, só as pessoas doentes, ou seja, com “doença ligeira a moderada” é que terão de cumprir um isolamento.

Os indicadores que permitem chegar a este degrau justificam, para o pneumologista, a “ausência de isolamento para indivíduos assintomáticos, mas com a necessidade de manter a máscara durante dez dias e evitar contactos sociais de risco”. Nos casos ligeiros a moderados, o médico defende que o isolamento seja reduzido a cinco dias.

Certificado de vacinação

A vacinação de reforço é algo que, na óptica dos três especialistas, deve continuar. Contudo, Tiago Correia recorda que ainda há pessoas que não são elegíveis para a dose de reforço e, por isso, o certificado deveria dizer respeito ao esquema vacinal permitido a cada cidadão. Quanto à utilização de certificado digital covid, por exemplo no acesso a restaurantes, diz que é uma medida que “não tem grande impacto” e por isso dispensável.

Também Tato Borges e Filipe Froes levantam a necessidade de apresentação do documento nas situações em que é exigido. Mas, para Gustavo Tato Borges, com algumas excepções: no acesso a hospitais, lares e unidades de cuidados continuados na comunidade, bem como no acesso a grandes eventos.

“O que nós podemos fazer já é colocar um fim à utilização dos certificados de vacinação e de testagem, com excepção no acesso aos lares, hospitais, cuidados continuados e dos grandes eventos. Podemos aliviar a limitação de lotação máxima permitida nos espaços comerciais e permitir a lotação total nesses estabelecimentos e terminar com o uso de máscara no espaço exterior”, defende o médico de saúde pública.

O Presidente da República afirmou esta segunda-feira que a reunião de quarta-feira no Infarmed antecede uma já esperada “redução das restrições” que “representa uma nova fase em termos da transição da pandemia para a endemia”.

Que medidas de controlo da pandemia ainda estão em vigor?

  • Limitação de uma pessoa por cada cinco metros quadrados em espaços comerciais;
  • Uso obrigatório de certificado digital para acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, espectáculos culturais, eventos com lugares marcados e ginásios;
  • Obrigatoriedade de teste negativo para visitas a lares, visitas a pacientes internados em estabelecimentos de saúde, grandes eventos e eventos sem lugares marcados ou em recintos improvisados e recintos desportivos (salvo decisão da Direcção-Geral da Saúde);
  • Proibição de consumo de bebidas alcoólicas na via pública, com excepção das esplanadas;
  • Isolamento de sete dias para infectado e coabitantes que não tenham dose de reforço.
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