Novo presidente da Liga denuncia “subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros”

António Nunes defende continuidade dos bombeiros voluntários e pede avaliação ao financiamento dos bombeiros. “Pode ser uma avaliação externa, pode ser o Tribunal de Contas, uma auditora ou um grupo de trabalho a fazer as contas. Temos a certeza que no final vão chegar à conclusão de que há um subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros.”

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António Nunes tomou posse como presidente da LBP a 8 de Janeiro, sucedendo no cargo a Jaime Marta Soares que estava no cargo há 12 anos LUSA/MIGUEL A. LOPES

A Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) criticou o “subfinanciamento crónico” atribuído pelo Estado às corporações de bombeiros voluntários, obrigando-as a “estender a mão” para pedir subsídios, e exigiu que sejam compensadas com “o valor real” dos serviços prestados.

“As associações humanitárias vêem-se na contingência de estender a mão e a pior coisa que se pode fazer é estender a mão. Uma coisa é uma câmara municipal entender que deve participar na actividade dos seus munícipes e entregar determinadas verbas para um corpo de bombeiros. Outra coisa completamente diferente é uma associação ter que pedir ao presidente da câmara municipal que lhe dê um subsídio”, disse o presidente da LBP, em entrevista à agência Lusa.

António Nunes, que está no cargo há um mês, sustentou que a maioria das associações humanitárias dos bombeiros voluntários “ainda hoje vive porque as câmaras municipais comportam aquilo que o Estado central não lhes dá”. Se este apoio não existisse algumas delas já tinham “fechado a porta ou tinham material muito antiquado”.

Para António Nunes, um dos problemas das associações humanitárias detentoras de corpos de bombeiros voluntários é “o subfinanciamento”, sendo um dos temas que a LBP vai abordar com o próximo Governo.

“A verba que o Estado actualmente atribui directamente às associações humanitárias e a forma como subsidia ou tem planeado o recurso ao pagamento e ao ressarcimento das despesas é manifestamente insuficiente”, disse.

António Nunes desafia qualquer entidade a fazer uma avaliação ao financiamento dos bombeiros. “Pode ser uma avaliação externa, pode ser o Tribunal de Contas, uma auditora ou um grupo de trabalho a fazer as contas. Temos a certeza que no final vão chegar à conclusão de que há um subfinanciamento crónico dos corpos de bombeiros”, salientou.

O presidente da LBP considerou difíceis as negociações sobre o financiamento às corporações de bombeiros, uma vez que envolvem três entidades: “A Assembleia da República por causa da lei do financiamento geral, o Ministério da Administração Interna por causa de todas as compensações feitas para o serviço de emergência e o Ministério da Saúde sobre o transporte de doentes não urgentes e INEM.”

António Nunes afirmou que o orçamento para as associações humanitárias “não tem vindo a acompanhar os factores de agravamento da sociedade, como o índice de preços do consumidor ou a taxa de inflação, a evolução do ordenado mínimo nacional ou mesmo os preços praticados pelas matérias-primas, combustíveis e energia”.

Segundo o mesmo responsável, o Estado tem de ter a capacidade “de poder injectar nos bombeiros recursos financeiros necessários para os compensar das despesas reais para o socorro, salvamento e transporte de doentes”.

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Pedrógão Grande, 2017 ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

“Uma associação não faz uma reivindicação de financiamento para ter dinheiro a prazo no banco. Não é nada disso que se quer. Nós queremos é ser ressarcidos do valor real dos serviços prestados”, sustentou.

O presidente da LBP admitiu ainda que há corporações de bombeiros voluntários com dificuldades financeiras. Como exemplo apontou o impacto do aumento do ordenado mínimo nacional em alguns corpos de bombeiros, bem como o aumento dos combustíveis, ao mesmo tempo que os subsídios do Ministério da Saúde para o transporte de doentes se mantêm.

"Concorrência desleal"

António Nunes criticou ainda que a Guarda Nacional Republicana esteja envolvida no combate aos incêndios florestais. “Uma coisa é a GNR com os seus homens e mulheres que merecem o nosso respeito e a nossa admiração pelo trabalho que fazem em prol da segurança do país. Outra coisa completamente diferente é para o mesmo local ou para uma circunstância de concorrência entre duas entidades que deviam ser complementares.”

António Nunes explicou que foi decidido há uns anos que o combate inicial de um incêndio florestal podia ser feito tanto por elementos da GNR, através da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro (que inicialmente se chamava Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro), como por bombeiros. O responsável considerou que, como Portugal não tem recursos financeiros avultados, a melhor solução é cada entidade desempenhar o seu papel. “Aos bombeiros o que é socorro, salvamento e combate a incêndios, à GNR e a PSP aquilo que é ordem pública. Se cada um fizer o seu papel, isto tudo corre bem”, disse, sustentando que há “uma concorrência desleal”.

António Nunes ressalvou que a LBP “não tem nada contra a GNR”. No entanto, vincou: “Quando existem postos da GNR que não estão abertos ou não têm o número de elementos necessários para apoiar os bombeiros nas acções quando há acidentes rodoviários, mas aparecem para combater aquilo que é a génese da nossa acção que é o combate aos incêndios, nós dizemos que há de facto uma concorrência que não deve ser feita porque não há necessidade”.

O responsável defendeu que os 1200 elementos da Unidade de Emergência de Protecção e Socorro deveriam ser entregues aos bombeiros e não estar na alçada de uma força de segurança.

No âmbito das florestas, considerou que a GNR deve ter as funções de vigilância, levantamento de autos por falta de limpeza dos terrenos e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deve manter o seu trabalho de abrir aceiros, caminhos de contenção e verificar tudo aquilo na área da prevenção.

“Todos são bem-vindos. Mas cada um tem o seu papel e o papel dos bombeiros é quando há um incêndio, uma ignição irem nos helicópteros combater e fazerem a primeira intervenção, fazer o ataque ampliado e extinguir o incêndio”, disse.

António Nunes afirmou igualmente que, quando há um acidente automóvel, a GNR ou a PSP controlam o trânsito, enquanto os bombeiros prestam socorro, transportam os doentes para os hospitais, retiram as viaturas do local e lavam o piso.

“E se for preciso a Protecção Civil está lá para coordenar todas estas forças presentes. Se isto se passa no acidente rodoviário, ferroviário, aéreo, industrial e num fogo urbano porque é que não se passa na floresta, qual é a diferença”, questionou.

António Nunes questionou também a criação de várias entidades para a prevenção e combate aos incêndios. “Porque é que criámos um sistema com a AGIF [Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, ICNF, GNR, bombeiros sapadores florestais, privados, câmaras municipais, juntas de freguesia, baldios. Sabe o que é que isso dá? Quando se chega à altura do apuramento das responsabilidades a única pessoa que está sentada no banco dos réus neste momento é um comandante”, disse, referindo-se ao julgamento do incêndio de 2017 em Pedrógão Grande.

António Nunes considerou inacreditável que num incêndio com aquela dimensão apenas esteja a ser julgado o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande.

Na entrevista à Lusa, o presidente da LBP disse ainda que vai ter um “relacionamento excelente” com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e com a AGIF, considerando que é necessária a cooperação entre todas as entidades.

No entanto, levantou “algumas dúvidas” sobre a necessidade da existência da AGIF, organismo criado após os incêndios de 2017, frisando que a única entidade com funções de coordenação é a ANEPC.

“A Protecção Civil é suficiente, mas admito que o Governo possa ter outro entendimento. Não me parece que seja necessária a existência da AGIF juntamente com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas”, concluiu.

Crise de voluntariado

O novo presidente da Liga defendeu que os bombeiros voluntários vão continuar a existir, apesar de ter admitido que há uma crise no voluntariado, sendo por isso necessário criar mais incentivos. No entanto, ressalvou que esta crise não está a condicionar o funcionamento nos bombeiros.

Segundo a LBP, actualmente há cerca de 30.000 bombeiros voluntários inscritos nas associações humanitárias, 15.000 na reserva e outros 15.000 no quadro de honra, o que totaliza cerca de 60.000 pessoas.

“Há uma crise [de voluntariado], nós gostávamos de ter mais. Por isso é que é necessário trabalhar os incentivos ao voluntariado”, sustentou, dando como exemplo, chamar crianças para as escolas de cadetes e infantes dos bombeiros, compensar as entidades patronais que empregam voluntários, aumentar os valores dos seguros, pagamento de propinas, creches e passes sociais.

António Nunes disse que os incentivos ao voluntariado devem ser iguais em todas as regiões do país.

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paulo pimenta

Dos cerca de 30.000 bombeiros voluntários no activo, cerca de 10.000 são trabalhadores das associações humanitárias e fazem parte das equipas de intervenção permanente, do transporte de doentes não urgentes e das ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

O presidente da LBP defendeu também que as corporações devem ter um sistema misto, entre profissionais e voluntários, sistema que existe actualmente. “Portugal do ponto de vista da cobertura geral não está muito mal e se calhar tem padrões ao nível da Europa”, considerou, referindo que não se deve acabar com o voluntariado nos bombeiros. “Não acho por duas razões. A primeira diz respeito à alma do povo. Assistimos muitas vezes, mesmo aqueles que não são bombeiros, que quando existe algum acidente vão ajudar. O povo português gosta de ajudar, tem esse princípio, está na sua génese, está no seu ADN e, portanto, eu acho que todos aqueles que, ao longo dos anos, e muitos estão vivos, que deram o seu melhor aos bombeiros voluntários e que hoje se isso acontecesse teriam uma mágoa muito grande. Essa é uma razão que diria histórica, de ADN do povo português e de relação da sociedade e dos valores da sociedade que o povo português sempre cultivou. A segunda razão é económica.”

António Nunes explicou que Portugal não é um país rico e profissionalizar todos os bombeiros teria um custo muito elevado. “É só fazerem as contas. Certamente que os bombeiros voluntários vão continuar a existir”, estimou, frisando que devem existir equipas de bombeiros profissionais, mas não na totalidade.

António Nunes tomou posse como presidente da LBP a 8 de Janeiro, sucedendo no cargo a Jaime Marta Soares que estava no cargo há 12 anos.

Fundada em 1930, a LBP é a Confederação das associações e corpos de Bombeiros voluntários ou profissionais, e tem 465 associados.

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