Um novo ciclo político

Tirando algumas “provas de vida” política através de vetos e pedidos de fiscalização avulsos, o Presidente não deixará marca no seu mandato. Em breve uma parte da plebe ansiará pelo almirante.

O PS obteve uma vitória absolutíssima. Por mérito do primeiro-ministro que, sobrevivendo seis anos num inédito governo minoritário em negociação permanente, surfou entre os penedos da pandemia, explorou com uma imprensa favorável a sua imagem de “timoneiro” no meio de um tsunami e aproveitou a dissolução para trucidar com uma frieza implacável o PCP e o Bloco, responsabilizados pela crise.

Os resultados eleitorais falam por si. Entre 2019 e 2022, o PS ganhou 338.447 votos, enquanto o PCP e o Bloco somados perderam 355.603. A transferência é evidente e os ex-aliados pagaram caro o chumbo do Orçamento. A História repete-se: a maioria absoluta de Cavaco em 1987 resultou de uma lunática moção de censura da esquerda. Para o centro e a direita há um único consolo: o Governo do PS deixou de estar refém da agenda desconstrutiva da extrema-esquerda ou de uma “ecogeringonça”.

1. O regresso ao semipresidencialismo de pendor primoministerial. O semipresidencialismo de pendor parlamentar está morto e, das suas cinzas, renasce o semipresidencialismo de pendor governativo. O primeiro-ministro governará com poderes efetivos e a sua maioria parlamentar estará apta a carimbar orçamentos e reformas necessárias para enfrentar a inflação, o aumento das taxas de juro, o fim das moratórias e o aumento da dívida externa que despontam no horizonte. Como escreveu António Barreto, sem quaisquer desculpas se falhar.

2. Esmaecimento do protagonismo presidencial. O Presidente, ao dissolver, evitou o fantasma da ingovernabilidade que derivaria de uma fragmentação parlamentar da qual seria responsável. Mas, tal como antecipámos neste jornal relativamente a um de três cenários, a dissolução potenciou uma maioria absoluta do PS que terá dois efeitos: i) Derrotada nas urnas, a família política do Presidente (CDS e PSD) “dificilmente lhe perdoará ter convocado eleições num tempo em que os seus partidos se encontravam divididos em frondas e eleições internas” , tendo a abstenção favorecido o “statu quo”; ii) O resto do mandato presidencial será marcado “por uma menor relevância política autónoma do chefe de Estado frente a um governo maioritário”, cuja bancada pode reverter os seus vetos e secar condições políticas para poder dissolver o Parlamento.

Tirando algum “chá e simpatia” e algumas “provas de vida” política através de vetos e pedidos de fiscalização avulsos, o Presidente, como adiantou José Miguel Júdice, não deixará marca no seu mandato. Em breve uma parte da plebe ansiará pelo almirante.

3. O afundamento do centro político. Já em 7 de janeiro de 2019 antecipámos o declínio dos partidos do centro político. O CDS tornou-se dispensável, desde a derrota de Cristas, frente a novos pretendentes libertários e direitistas que absorveram o eleitorado que nele votava por empréstimo. A direção de Rio deu-lhe o golpe de misericórdia quando rejeitou uma nova AD. Rejeição suicidária pois ofereceu, simultaneamente, a maioria absoluta ao PS.

Já o PSD teve uma boa campanha onde Rio foi corajoso e resiliente. Mas o seu sobressalto eleitoral não foi suficiente, por quatro motivos: i) A dissolução apanhou os sociais-democratas a convalescer de uma feroz disputa de liderança; ii) A afirmação de uma alternativa eleitoral foi tardia, depois de anos de uma oposição de “galões mornos”, dando a impressão de que pretendia substituir-se à “geringonça” como bengala do PS; iii) Ao afirmar que não queria para nada o eleitorado do Chega, Rio falhou o voto útil à direita e não cresceu ao centro onde muitos reformados, ciosos das suas pensões, se vingaram dos tempos da troika; iv) O seu potencial governo alternativo, pese alguns nomes de relevo, não demonstrou ter maior atratividade do que o executivo do PS.

4. Desmoronamento dos partidos marxistas e reforço da direita. Bloco e PCP sofreram um desastre eleitoral que os atirou, respetivamente, para o imaginário do partido do “táxi” e da “furgoneta”.

A IL, libertária, individualista e plástica em valores, teve um bom resultado em deputados nos centros urbanos, mas foi menos impressiva a nível nacional (4,9%). Veremos se progride para além de um nicho jovem e burguês nas grandes metrópoles e se no grupo parlamentar “dois galos numa capoeira” manterão a unidade.

O Chega, partido maldito pelos media, foi o segundo vencedor. Passou de um, para 12 deputados (somando mais do que o PC e Bloco juntos) graças ao “one man show” de Ventura, que conquistou o eleitorado da direita dura, mas falhou uma progressão para o centro-direita, devido a uma campanha repetitiva, gritada e escassa em soluções convincentes. A aptidão para seduzir setores de um eleitorado conservador desanimado dependerá da coesão do grupo parlamentar e da capacidade de mobilizar novos protagonistas preparados. O tom e a substância do discurso dirão se será um parceiro do PSD ou uma nuvem passageira do voto de protesto.

5. Travessia do deserto. Nasceu um novo ciclo político com um governo reforçado e uma nova reconfiguração da direita parlamentar, em tempos de crise onde o poder dos atores supranacionais mitiga a relevância dos atores domésticos. Resta saber o que fará nesta travessia do deserto o PSD, dividido entre triturar líderes, reconstruir-se ao centro ou federar-se com outros parceiros à direita.

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