Os programas do PS e PSD para a Justiça

Nem uma linha sobre questões como o impedimento das “portas giratórias”, que permitem que juízes saltitem entre os tribunais e comissões de serviço de confiança político-partidária, a transparência na eleição dos presidentes dos tribunais superiores, o aumento dos mecanismos de controlo da idoneidade ética dos magistrados.

A julgar pela retórica política, pela ocupação do espaço publico e pela sua importância, parecia que a justiça ia ser tema central nos debates eleitorais. Engano. Até agora, pouco mais que zero.

Apontei há dias que os seis anos de governação socialista não agitaram as estruturas fundamentais da justiça e falharam gravemente na resolução dos atrasos nos tribunais administrativos e fiscais. Quanto ao PSD, assinalei a estranheza óbvia de fazer da justiça um assunto tão crucial e não se conhecer uma única proposta concreta, tirando a da alteração da composição dos conselhos. O dr. Rui Rio levou a mal e dedicou-me um tweet desnecessário. Paciência, adiante. Já se conhecem os programas eleitorais destes partidos e isso é que interessa.

O PS, sem surpresa, apresenta na justiça um compromisso de continuidade – quem governa há seis anos claro que não ia dizer que mudava tudo de alto a baixo. O programa do PSD abre com uma proclamação forte: “propõe-se ser protagonista de uma profunda reforma da justiça”; mas depois, no conteúdo, falta-lhe essa profundidade baseada em ambição e conhecimento. Até os juízes “corporativos” têm propostas mais ousadas que PS e PSD.

Não havendo aqui espaço para a análise completa, limito-me a tocar ao de leve em pontos que saltam à vista. Em primeiro lugar, impressiona o que não está nos programas. Nem uma linha sobre questões como o impedimento das “portas giratórias”, que permitem que juízes saltitem entre os tribunais e comissões de serviço de confiança político-partidária, a obrigatoriedade de os conselhos superiores apresentarem os seus relatórios anuais numa discussão pública no Parlamento, a maior transparência na eleição dos presidentes dos tribunais superiores, o aumento dos mecanismos de controlo da idoneidade ética dos magistrados e o aumento das possibilidades de suspensão preventiva de magistrados investigados por actos corruptivos; ou a introdução de factores de moderação do abuso das garantias processuais e a limitação do efeito suspensivo nos recursos penais. Isto não interessa?

Em segundo lugar, há detalhes intrigantes e perigosos. Propõe-se o PSD criar “comissões independentes junto das entidades públicas, especialmente vocacionadas para a decisão de conflitos de valor inferior à alçada dos tribunais de primeira instância”. Isto é, em vez de dotar os tribunais das condições que não têm para decidirem os litígios rapidamente, quer tirar de lá os processos e entregá-los a comissões onde se multiplicarão os lugares para os boys e girls dos partidos. Faltou notar um pormenor: a Constituição determina que os litígios jurisdicionais são decididos por tribunais independentes e imparciais e não por entidades administrativas mais “amigáveis”. Propõe-se o PS, por sua vez, “aumentar os modelos alternativos ao cumprimento de pena privativa da liberdade em estabelecimento prisional, em especial para condenados aos quais se recomende uma especial atenção do ponto de vista social, de saúde ou familiar”. Está-se mesmo a ver quem são os condenados demasiado “importantes” para cumprirem as penas na prisão. Pode ser que no debate de amanhã António Costa e Rui Rio queiram esclarecer isto.

Em terceiro lugar, espanta a leviandade de algumas propostas. Diz o PSD que os membros de designação política nos conselhos superiores devem passar a ser a maioria e têm de ser personalidades de “reconhecido prestígio social e cultural, não sendo requisito que provenham de profissões jurídicas”. Bom, quem escreveu isto não leu os artigos 137.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 75.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais? Nesses conselhos os membros designados pelo Presidente da República a pelo Parlamento não são já a maioria? E se não têm “reconhecido prestígio” – conclusão que não subscrevo – ou são apenas juristas, isso não resulta das opções de quem os designou? Não se percebe.

Para não ser tudo mau, dois apontamentos positivos. No programa do PSD, o compromisso de tornar as sentenças dos tribunais arbitrais públicas – há muito tempo que se chama a atenção para isto. No do PS, a proposta “fora da caixa” de instituir mecanismos que permitam conhecer as estatísticas sobre o sentido das decisões e prever os tempos médios de duração por tipos de processo e tribunal.

Sugerir correcção
Ler 6 comentários